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O dia em que Moro prendeu Sérgio (uma crônica lynchiana)

coluna thiago almeida
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Seis horas e dois minutos da manhã.

Às secas pancadas na porta da majestosa sala seguiram-se os termos do ultimato: “- Senhor Sérgio, polícia em cumprimento de mandado, abra a porta!”. Atordoado e sonolento, o ex-juiz e ex-ministro atendeu à porta (ainda de pijamas) e permitiu a entrada dos agentes. Mesmo sem saber o motivo de tudo aquilo, esposa e filhos choravam e se abraçavam. Afinal, trovões tão sonoros só poderiam ser anúncio de mau tempo.

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Enquanto o alvo lia o (propositalmente) genérico e confuso mandado, policiais procuravam objetos descritos na ordem judicial – ou qualquer outra coisa que pudesse incriminá-lo. Nessa, rodaram até celulares e tablets dos filhos. Já outro agente, de ar mais magnânimo, revelara a Sérgio, até então sem saber do que se tratava, que “tinha a ver com a delação de um peixe grande que deu no jornal”.

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Além da ordem de busca e apreensão, o mandado determinava que Sérgio fosse imediatamente conduzido a interrogatório perante a autoridade policial. Na espessa tensão daqueles segundos, a esposa do investigado fez um rápido contato com o advogado, que chegou a tempo de conversar com alguns agentes. Apontou a um deles o absurdo de estarem conduzindo coercitivamente um investigado para ser interrogado. Afinal, se a Constituição dá aos investigados o direito ao silêncio, sua remoção forçada para falar qualquer coisa é um disparate. Além disso – arguiu o causídico – ele sequer havia sido intimado anteriormente para comparecer a qualquer ato. Após um suspiro blasé, a seca e solene resposta, no melhor estilo Nuremberg: “Estamos apenas cumprindo ordens, doutor”.

Na saída de casa, Sérgio deparou-se com uma aluvião de repórteres dos mais diversos veículos de imprensa que, curiosamente, ali já se postavam antes mesmo da chegada dos agentes policiais. Era tanta gente da mídia que o carro de Sérgio teve enorme dificuldade em sair do local, sendo cortejado pelos veículos da imprensa em todo trajeto até a unidade policial, a poucos quilômetros do condomínio de luxo onde residia. Lá chegando, tantos outros já estavam com aparatos montados e com ‘links’ ao vivo para que nenhum segundo da chegada do alvo no distrito policial fosse perdido. Por ali, um ‘cidadão de bem’ dizia a um repórter: “- Fico feliz de ver que o Brasil está mudando e os ricos, agora, vão pra cadeia.”

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Foi somente durante o interrogatório que Sérgio tomara conhecimento das acusações que pesavam sobre si. Malfeitos seus eram escarafunchados pelas autoridades numa midiática operação policial intitulada ‘paga pato’, que investigava crimes praticados à época em que fora magistrado (violação de sigilo funcional, prevaricação, violação da Lei de Interceptações Telefônicas, abuso de autoridade etc.) e tantos outros praticados à época em que fora ministro (como, por exemplo, corrupção passiva por solicitar pensão ilegal para sua família, mais prevaricação etc.). Apuravam-se até atos após sua saída do cargo de ministro, como ter auferido milhões de uma empresa de recuperação judicial responsável por processos de empresas que ele próprio ‘quebrara’ quando atuou como ponta de lança de outra famosa operação policial.

Três meses após aquela fatídica condução coercitiva, após ter conversas pessoais suas (ilegalmente gravadas) vazadas para a imprensa, Sérgio fora preso preventivamente. Como não havia fundamento, o fundamento estava lá: prisão para ‘garantia da ordem pública’. Fizeram chegar até ele, contudo, uma importante informação: bastava uma boa delação, e ele seria premiado com a liberdade. Com sua dignidade e sua autoestima sublimadas a pó, o ex-juiz não viu alternativa senão jogar o jogo. Nem tudo que o ex-juiz delatara, necessariamente, era ‘verdade verdadeira’. Mas era o que precisava ser dito, era o que fazia da delação uma ‘boa’ delação, capaz de lhe devolver à sua família, segundo as regras daquele jogo.

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Algum tempo mais tarde veio a audiência. Embora houvesse construído enorme expectativa para aquele momento, o que Sérgio sentiu ali, entretanto, foi uma súbita sensação de estranhamento ao olhar nos olhos do magistrado, inquietude que também tomou de imediato o próprio juiz, Doutor Moro. Olhares trocados buscavam resposta para a incômoda questão: “- De onde o conheço?”.

A dúvida permaneceu.

‘In dubio’, entenderam por bem absolver-se mutuamente.

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