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Para que nunca mais aconteça

coluna thiago almeida
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Em abril de 2016, a Câmara dos Deputados aprovou a abertura de processo de impeachment contra Dilma Rousseff. Naquela caricata sessão, destacou-se o sádico grunhido de um deputado: “- Pela memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rousseff…”. Ustra, o homenageado, comandara centenas de sessões de tortura no DOI-CODI (SP). A evocação de sua memória por um parlamentar emite sinais relevantes sobre feridas não cicatrizadas de nossa história. Um desses sinais é o (ainda) inconcluso processo de Justiça de Transição no Brasil.

Por Justiça de Transição entenda-se um conjunto de medidas de fortalecimento da democracia adotadas após violação massiva a direitos fundamentais promovida por determinado regime político. Os caminhos para o estabelecimento dessa Justiça vão da garantia do direito à memória e à verdade à responsabilização jurídica dos seus agentes. No Brasil, a Comissão Especial dos Mortos e Desaparecidos Políticos e a Comissão Nacional da Verdade se inscrevem entre inúmeras iniciativas que buscam (ou buscavam) o acerto de contas do país com o regime civil/militar 1964-1985.

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Entretanto, quando o elogio a um torturador desliza para o perigoso terreno da banalidade, temos o sintoma de um processo transicional inconcluso e imperfeito. E o mal, quando banalizado (Hannah Arendt), produz frutos perversos e abre caminho para a perpetuação do processo: Jair Bolsonaro, dois anos após evocar Ustra naquela sessão do parlamento, é eleito presidente da República.

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Tic, tac… E na data de ontem encerrou-se o ciclo de poder de Jair. Um tempo marcado pela enchente armamentista na sociedade civil, diuturnos discursos de convocação à violência (que resultaram em vítimas reais), empobrecimento da população, implosão das políticas ambientais e culturais, ressurgimento da fome como questão nacional, centenas de milhares de vidas ceifadas numa pandemia por obra do negacionismo aliado à ganância.
Como derradeiro capítulo, tivemos a vigorosa ofensiva contra os pilares do regime democrático a partir da intentona golpista, particularmente atiçada após as eleições.

Chegamos a 2023. A democracia, por pouco, sobreviveu. É fundamental, contudo, criar condições para que esta mesma democracia, ainda tão jovem, possa se robustecer após tantos atentados.

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Esse fortalecimento passa pela repactuação da vocação pública das instituições estatais (que não devem atender a interesses pessoais e familiares de ocasião). Passa também pelo direito à verdade (fim dos sigilos abusivos) e pela necessária responsabilização dos agentes envolvidos em inúmeras ações letais e violadoras dos direitos humanos.

Que 2023 seja um ano de vida, do resgate da dignidade, do estender de mãos, do acolhimento do outro, da superação do que nos desune, da construção coletiva de uma felicidade possível de ser vivida. Mas que também seja o despertar de um tempo de justiça e de verdade, “para que não se esqueça, para que nunca mais aconteça”.

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