Às 3h desta quarta-feira (17), cheguei ao local marcado, na Cidade Alta, para a saída da Caminhada da Fé. O vento frio parecia me congelar. Resisti a um casaco mais pesado pensando no momento em que o sol esquentasse e eu precisasse carregá-lo. Preocupada em poupar minha coluna, carreguei apenas o necessário: óculos, celular, água e um saco pequeno de mix de cereais.
Às 4h30, após uma benção com a consagração de Nossa Senhora Aparecida, feita pelo padre Ereles de Paiva, partimos para os primeiros 30 quilômetros da nossa jornada de 300 quilômetros até Aparecida (SP).
A empolgação inicial se refletia nos passos largos do pelotão da frente. “Estamos andando a 6 quilômetros por hora”, disse um dos romeiros, que consultava um aplicativo que contabiliza passos logo que cruzamos a BR-040. “Seis?”, pensei, lembrando que, nesta velocidade, meus passos na esteira da academia eram quase de uma corrida. “Êpa! Esse ritmo não é para o meu bico!” Fui desacelerando e me enturmando com os meus iguais, de passos curtos.
O dia foi amanhecendo e fui satisfazendo minha vontade de parar e apreciar cada montanha, cada vale… A estrada de chão revelava paisagens maravilhosas, impossíveis de serem contempladas quando passamos de carro. Em dez quilômetros, eu já era uma feliz integrante do pelotão traseiro. Muitos casos, brincadeiras e fotos marcavam nossos passos.
Quatro horas e meia de caminhada, ainda com força para mais, eis que surge Seu Ari e o café mais amável que podíamos sonhar. Morador de uma casa na beira da estrada de Torreões, Ari Martins de Souza, 74 anos, sabia que os romeiros passariam por ali naquela manhã e providenciou café e água fresca para servir aos caminhantes que ele não conhecia, mas sabia que seriam “gente boa”. “E o senhor teria algum pedido para Nossa Senhora?”, perguntei. “Que ela me dê saúde para que eu possa terminar esta casa que estou construindo para deixar para minhas filhas.”
Com o corpo aquecido pelo café e a alma fortalecida pela generosidade de Seu Ari, prosseguimos. Poucos passos após, um Uber chega para que o passageiro se junte ao grupo. Cláudio Bonandin saiu de Brasília para seguir a pé com os romeiros. “Fiquei sabendo da Caminhada através de uma reportagem há dois anos”, disse o funcionário público, que não tem parentes mineiros, mas diz apreciar o estado. Ele fez planos de participar da peregrinação no ano passado, mas um contratempo o impediu. Desta vez, com alguns quilômetros de atraso, ele conseguiu. “Vim de Brasília de ônibus, mas ele atrasou e eu peguei um Uber para acompanhar vocês.” Logo Cláudio conheceu o espírito solidário do grupo. Sua bagagem foi rapidamente compartilhada por alguns para que ele não levasse o peso sozinho.
E assim seguimos. O sol começava a esquentar, e a cada hora, um parava para tirar o casaco e tomar água.
Me recusava a consultar o relógio, temia descobrir que ainda faltava muito para chegar ao nosso destino. O cansaço já tomava conta quando avistei o carro de apoio. Era a última parada. “Você já levou alguém para Torreões?”, perguntei ao motorista Carlos. “Não, ninguém. Hoje é o primeiro dia, e o pessoal está empolgado.”
Pois bem, não seria eu quem iria estrear a “carona”. Olhei para o lado e me juntei a Seu Tião, 72 anos e três caminhadas no currículo. “O segredo é controlar a mente e olhar para o chão na hora de subir um morro”. Tá certo, Seu Tião, então que seja. E assim fui, ouvindo os casos do aposentado da Cemig Sebastião Luiz da Silva, com quem completei os 30 quilômetros e cheguei a pé a Torreões.
A escola em que nos hospedamos fica numa parte mais alta do distrito, e precisei mais uma vez me apegar à energia de Seu Tião. “Você consegue, menina, estamos chegando. Olha ela logo ali”. Fechei os olhos para que o “Logo ali” fosse, de fato, logo ali.
Dez horas depois da partida, o pelotão retardatário, em que eu me incluo, chegou ao Colégio de Torreões. Banho, almoço e o resto do dia para descansar até a segunda etapa. Nesta quinta vamos caminhar 32 quilômetros até Santa Bárbara do Monte Verde.