“Falcão e o Soldado Invernal”, nova série da Marvel no Disney+, foi um belo thriller de ação, suspense, espionagem, sem esquecer dos dramas pessoais e influenciado por clássicos do buddy cop como “Máquina mortífera”. Ah, e com ótimas cenas de ação também, das melhores que a Marvel já produziu.
Foi uma série tão legal que, com alguns ajustes e cortes (desde que não feitos pelo Zack Snyder), poderia muito bem ter virado um dos filmes do MCU, porém o formato seriado permitiu desenvolver e dar profundidade aos protagonistas, apresentar novos personagens, discutir temas interessantes, dar novos passos na cronologia do Universo Cinematográfico Marvel e abrir possibilidades para o futuro.
Como aconteceu tanta coisa em tão pouco tempo, vamos analisar a série em tópicos, e com spoilers.
Entendeu? SPOILERS.
Sam Wilson e o legado do escudo
Aqui temos uma parada que é irritante no início, porque copia o que vimos no último filme do Homem-Aranha: um personagem confiar seu legado a outro, e a primeira coisa que o “herdeiro” faz é dar esse legado para o primeiro que aparece.
Assim como Peter Parker não entendeu a confiança depositada nele por Tony Stark, Sam Wilson (Anthony Mackie), o Falcão, não se vê à altura da responsabilidade e entrega o escudo dado por Steve Rogers ao Governo americano, que não demora para apresentar um Capitão América genérico (John Walker, interpretado por Wyatt Russell).
Sam percebe a burrada que fez no ato da matrícula, pois Walker pode até ser um sujeito com boas intenções, porém não tem ideia do que o herói e seu escudo representam para a humanidade. De sujeito deslumbrado com a chance de ser o herdeiro de um ícone, o peso da responsabilidade vai desvirtuando suas intenções à medida que ele percebe que a missão é pesada demais para ombros tão frágeis, e toda sua frustração descamba para um desvirtuamento do símbolo.
Ainda que entregar o escudo para o governo seja uma decisão besta, ela se ajustou a toda a jornada que Sam Wilson teve para entender o que o objeto representa, ainda mais quando ele cai nas mãos erradas, e no quanto o mundo precisa de um Capitão América que entenda o que Steve Rogers representou.
Foi um passo atrás para termos um herói que, a seu modo, vai honrar o legado e ser um grande Capitão América.
Bucky e os fantasmas do passado
Apesar de ser um dos protagonistas, Bucky Barnes (Sebastian Stan) não teve um arco pessoal tão bem desenvolvido, mas mesmo assim foi tempo suficiente para fazer as pazes com seu passado violento e poder, enfim, encarar o futuro como uma pessoa normal.
A relação do personagem com Sam Wilson foi um dos pontos fortes da série. Além de emular os clássicos do buddy cop com os personagens que não se bicam no início, mas aos poucos passam a se respeitar e se tornam amigos de verdade, o fato de ter sido o grande amigo de Steve Rogers no passado foi fundamental para ajudar o Falcão a entender a responsabilidade confiada pelo Capitão América ao final de “Vingadores: Ultimato”.
O “Capitão América negro” e o racismo
“Falcão e o Soldado Invernal” ainda teve tempo de discutir temas atuais como o racismo, como na cena com os policiais em Baltimore ou quando Sam e a irmã tentam conseguir um empréstimo bancário. Mas, principalmente, com a surpreendente e emocionante apresentação de Isaiah Bradley (Carl Lumbly, grande atuação).
Por ter sido uma das centenas de cobaias negras do Projeto Supersoldado após o desaparecimento de Steve Rogers, ele “ganhou” 30 anos na prisão e toda uma vida destruída. O que ficou para ele foi a certeza de que um homem negro jamais seria aceito como Capitão América, ou, na melhor das hipóteses, se tornaria apenas um peão descartável para a máquina de guerra.
Apesar de todo o desgosto que a vida lhe deu, foi fundamental na decisão de Sam Wilson em aceitar o legado do escudo.
O mundo depois de Thanos
A impressão que tenho é que muita gente ainda não se ligou que todas as produções do MCU lançadas após “Vingadores: Ultimato” se passam em 2023 ou talvez 2024, e com isso temos um mundo bem diferente quando as pessoas mortas por Thanos retornam após o estalar de dedos de Tony Stark.
“Falcão e o Soldado Invernal” mostra que essa nova realidade é muito diferente daquela anterior a “Vingadores: Guerra Infinita”. Se entre 2018 e 2023 quem sobreviveu precisou lidar com a perda, o luto e o caos político/geopolítico, econômico, social, cultural e religioso, isso se multiplicou com a volta de cerca de 3,5 bilhões de pessoas, sendo que muitas perderam suas casas, empregos e pessoas amadas, porque essas podem ter morrido, colocado a fila para andar etc.
E aí foi interessante a introdução dos Apátridas, que surgiram nos anos 80 com um vilão meia-boca nas histórias do Capitão América. Na série, o vilão virou uma organização revolucionária/terrorista que acredita que o mundo havia melhorado após o “blip” (que nome horrível) de Thanos e que os governos não se importam com aqueles que retornaram ou perdem tempo com burocracias e mesquinharias políticas enquanto milhões passam fome ou não têm onde morar.
Barão Zemo
Um lance decepcionante em “Capitão América: Guerra Civil” foi a aguardada entrada de Helmut Zemo (Daniel Brühl) no MCU, pois o supervilão dos quadrinhos foi reduzido a um sujeito qualquer que desejava apenas se vingar dos Vingadores.
Pois bem. Não sei se foi retcon, se o Kevin Feige já tinha planejado isso ou apenas deixaram brecha para um uso futuro do personagem, mas bem que deveríamos ter desconfiado de um cara aleatório quase acabar com os Vingadores. “Falcão e o Soldado Invernal” colocou o Barão Zemo de volta na jogada como um sujeito rico (na honestidade ou na bandidagem?), com recursos variados, toda sorte de contatos no submundo e que segue convicto na sua visão de que pessoas com poderes são uma ameaça.
Zemo termina a série preso na Balsa, mas podemos esperar que o personagem retorne no futuro. E apesar de ser um retorno interessante, mandemos a real: o motivo para o Falcão e Bucky ajudarem o Barão Zemo a fugir da prisão é um típico exemplo de “roteiro Scooby-Doo”, que não tem vergonha de dar uma desculpa esfarrapada para fazer a história andar.
Sharon Carter, Madripoor e a Elaine de “Seinfeld”
Uma coisa que não curti na série foi esse retorno da Sharon Carter (Emily VanCamp) como vilã, assumindo o manto do Mercador do Poder. Não é coerente com o caráter e tudo que a personagem havia feito anteriormente. Pelo menos, tivemos a inclusão da nação bandida de Madripoor no MCU, para a alegria dos fãs dos X-Men.
Por fim, Julia Louis-Dreyfus apareceu do nada como a condessa Valentina Allegra de Fontaine, e foi aquele “vixe Maria!”. Nos quadrinhos, ela era uma agente da Shield antes de se bandear para os lados da HIDRA, mas como a série deixa em aberto o que ela pretende vai ser interessante ver o papel da personagem nos próximos eventos do MCU.
Quando pesamos na balança, “Falcão e o Soldado Invernal” teve uma ótima primeira temporada e apontou novos rumos para o Universo Marvel no audiovisual, o que torna fácil perdoar os momentos de resoluções simplórias de roteiro. Certamente, adoraríamos assistir a uma segunda temporada de (agora) “Capitão América e o Soldado Invernal”.
Vida longa e próspera. E obrigado pelos peixes.
(E não deixe de seguir a playlist da coluna no Spotify e Deezer, são mais de duas mil músicas para ouvir até chegar a série do Loki)