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O novo álbum do “’Véio’ dos Smiths”

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Oi, gente.

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Acredito que muitos ah migos e ah migas tiveram na infância um parente que era peça rara, provavelmente um tio. O sujeito que falava umas coisas que o resto da família jamais diria, umas frases de efeito, que contava piadas que eram engraçadas mesmo contadas toda ocasião em que se encontrassem, às vezes tinha umas brincadeiras sem graça, também às vezes soltava umas opiniões que deixavam todo mundo meio “sério que ele falou isso?”, mas que ao final todos pensavam “ah, mas é fulano, tudo bem”. Porém, quando você se tornou um adulto, percebeu o quanto esse parente era, muitas vezes, inconveniente, que as piadas não tinham essa graça toda – e pior: que ali estava um tiozão conservador. A magia acaba se perdendo.

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Com Morrissey foi assim. Ao mesmo tempo que era capaz pérolas musicais com os Smiths e na carreira solo, também soltava algumas declarações da linha “poderia dormir sem essa”, mas aí a gente pensava “o cara é vegetariano, odeia a monarquia inglesa, a Margaret Thatcher, o pop descartável, ele só foi infeliz”. Porém, nosso querido mancuniano se revelou nos últimos tempos uma espécie de “’Véio’ dos Smiths”, com declarações racistas, xenófobas, em nada condizentes com o cara que tem uma legião de fãs entre o público latino, vale destacar. Até desanimamos de ouvir as músicas daquele que chamávamos de “o maior artista pop vivo”, e o álbum de covers “California son”, de 2019, também não dava um help na imagem do cantor.

Mas jornalista tem que esquecer – em parte, pelo menos – essas decepções com o ídolo quando ele está com um novo trabalho na praça. E quis o destino que Morrissey lançasse o seu 12º álbum de inéditas, “I am not a dog on a chain”, na última sexta-feira (20), em pleno caos provocado pela Covid-19.

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Ainda que tenhamos aquele desânimo por “prestigiar” um desses coroas que se bandearam para ideias da extrema-direita, é preciso concordar que “I am not a dog on a chain” é um álbum pop com suas qualidades. Não entra no top cinco de discos de Morrissey, pois lá estão “Your arsenal”, “Vauxhall and I”, “You are the quarry” e outros dois a definir, mas está milhas acima do desastre de um “Kill uncle”. Talvez fosse melhor se tivesse alguma música composta em parceria com Boz Boorer, guitarrista que o acompanha há quase 30 anos; das 11 músicas, seis têm a autoria dividida com o outro guitarrista, Jesse Tobias (que substituiu o inigualável Alain Whyte), três do pau-pra-toda-obra Gustavo Manzur e duas do baixista Mano Lopez.

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Com produção de Joe Chiccarelli, que tem trabalhado com Morrissey desde “World Peace is none of your business” (2013), “I am not a dog on a chain” surpreende pela sonoridade com toques de música eletrônica, logo com o cara que dizia abominar a dance music. Ainda que esteja distante de ser a coisa mais sensacional do universo em seus 49 minutos de duração, o álbum conta com momentos sublimes do nível da faixa de abertura, “Jim Jim falls”, e o dueto com a estrela da Motown Thelma Houston em “Bobby, don’t you think they know?”. No geral, todavia, o disco renderia melhor num EP de sete músicas.

Quanto às letras, é o Morrissey de sempre, mas que talvez esteja “se achando” ainda mais que o normal, a ponto de se autodeclarar o portador da verdade absoluta – quando, na verdade, parece o Vovô Simpson naquela manchete de jornal “Velho grita com as nuvens”. Ele fala mal das pessoas que aceitam tudo o que a TV empurra goela abaixo, da imprensa, abomina a matança de animais, sofre por amor, reclama do quanto o mundo é cruel, dos críticos e deixa claro que não tem lá muito apreço pela humanidade.

Quase dá para esquecer um pouco que o Morrissey de “There is a light that never goes out” se transformou num sexagenário equivocado, mas para isso acontecer precisaria ter lançado um álbum avassalador e pedido desculpas pelas recentes asneiras que tem falado. Mas sabe como é idoso, né? Se nós, beirando os cinquenta, já estamos cheio de manias e teimosos, imagine daqui a dez anos.

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Vida longa e próspera. E obrigado pelos peixes.

 

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