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Sobre obsessões musicais, Jens Lekman e a canção pop perfeita

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Oi, gente.

A Leitora Mais Crítica da Coluna sabe como eu levo música a sério. Já virou piada interna a mania de não desligar o som do carro enquanto a música não termina (ou não deixar a próxima começar se eu sei que não poderemos ouvi-la até o final), ou deixar um álbum pela metade quando estamos em casa, entre outras obsessões. Não sei se é coisa de louco, mas com certeza é ter certas prioridades na vida que parecem não fazer o menor sentido – pelo menos para quem ouve qualquer coisa que toca na rádio ou vai atrás do bloco do hit da estação.

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É por levar música tão a sério que às vezes traço paralelos delirantes entre a indústria cultural/fonográfica e a condição humana. Um mundo em que existem tantas guerras, ódio, corrupção, intolerância, preconceito, radicalismo religioso, insensibilidade, por consequência é um mundo em que se ouve tanta música pop ruim, pré-fabricada, com artistas descartáveis na linha one hit wonder e pelos quais as pessoas são capazes de ir a um show para ouvir apenas uma música.

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E tem mais: boy bands e girl bands reproduzindo os mesmos estereótipos há 30, 40 anos, que são substituídos a cada dois anos e massacram o nosso combalido dial, arrastando multidões ávidas pelo mais do mesmo da vez. Cantoras pop que não compõem, são afinadas apenas com a ajuda do Auto-tune e precisam usar apenas dez centímetros quadrados de roupa para chamar atenção; e rapazes bonitões que posam de sex symbols mas, na verdade, precisam ocultar sua verdadeira orientação sexual (olá, Ricky Martin) namorando alguma gostosa.

Não acredito, porém, que seja manipulação. É tudo uma questão de não se levar a música, a arte, a sério. É aquela diversão ligeira que só precisa satisfazer o momento e ser esquecida em cinco minutos. A trilha sonora da noitada regada a algum bagulho que mistura álcool e energético; pode dar ressaca, mas vamos para outra que tudo é baseado no efêmero mesmo, quantidade sobre a qualidade.

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Mas eu nem pretendia ser este sujeito azedo dos quatro parágrafos acima. Eu queria, e ainda quero, é dizer que existe esperança para a boa música pop, que existe gente capaz de criar canções que podem salvar nossos dias. Que o mundo é também habitado por pessoas como o sueco Jens Lekman, que lançou em pleno 2017 uma maravilha sonora chamada “Life will see you now”, seu quarto álbum de estúdio e que pode ser ouvido nos melhores serviços de streaming da praça.

Jens Lekman faz parte do meu universo sonoro há cerca de dez anos, quando descobri por meio de amigos os seus dois primeiros álbuns (“When I said I wanted to be your dog” e “Night falls over Kortedala”) e a coletânea de EPs “Oh you’re so silent Jens”. Era um pop de câmara inspirado, de letras irônicas, singelas, sobre relacionamentos e histórias que habitam a zona fora da normalidade. Como não se apaixonar por uma música como “You’re are the light (By which I travel into this and that)”, em que Jens dizia ter sido preso e usado sua única ligação para dedicar uma canção na rádio à namorada? Ou “A postcard to Nina”, em que se oferece para namorar uma garota lésbica e, assim, despistar a família da moça? Sem contar outras canções fabulosas como “Maple leaves”, “Psychogirl”, “Black cab”, “I saw her in the anti war demonstration” e “And I remember every kiss”.

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“Life will see you now” chega quase cinco anos após o lançamento do terceiro álbum, “I know what the love isn’t”, e de outros projetos que o cantor e compositor sueco tocou durante o período. Um deles foi “Postcard”, de 2015, em que lançou 52 canções (uma por semana) em seu site e no SoundCloud, e o projeto “Ghostwriting”, em que transformou em música histórias contadas a ele em instalações na Suécia e nos Estados Unidos.

E esses dois projetos foram fundamentais para dar corpo ao novo álbum. De “Postcard” Jens Lekman trouxe as experiências com batidas eletrônicas, e de “Ghostwriting” a decisão da cantar também histórias sobre outras pessoas. O resultado? Um disco irresistível do início ao fim, em que o pop de câmara característico de Jens Lekman se junta a ritmos como a disco music e o calipso (e samba!) para contar histórias sobre amizade, amor, morte, relacionamentos, tudo com uma sensibilidade pop e uma diversidade imensa de cores musicais capazes de provocar sinestesia no ouvinte.

Canções como “How we met, the Long Version” (em que Jens Lekman estica o início de um relacionamento até o Big Bang), “To know your mission” (sobre o encontro com um mórmon), “Hotwire the Ferris Wheel” (com Tracey Horn, do Everything But The Girl), “Evening Prayer”, “Postcard #17”, “How can I tell him” e “What’s that perfume that you wear?” fazem de “Life will see you now” um dos melhores álbuns de 2017, aquele momento em que as canções pop perfeitas tomam vida em nossos aparelhos auditivos e nos fazem acreditar que este mundo pode, sim, ter salvação. Basta as pessoas ouvirem as canções certas.

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E prepare-se, Leitora Mais Crítica da Coluna: este álbum vai tornar minhas obsessões ainda maiores quando ele estiver rolando no carro ou em nossos aposentos imperiais. Mas você vai concordar que desta vez, pelo menos, minhas manias farão todo sentido.

Vida longa e próspera. E obrigado pelos peixes.

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