Oi, gente.
Retornamos à nossa série com os álbuns clássicos de 1991, aquele que provavelmente é o melhor ano da História da música. A primeira parte da série, publicada no mês passado, relembrou os discos lançados há 30 anos por My Bloody Valentine, Massive Attack, Swans, A Tribe Called Quest e Pearl Jam; desta vez, vamos celebrar os álbuns balzaquianos do Nirvana, que colocou Seattle e o grunge no mapa da música; a rima e poesia agressivas de Ice Cube; o indie pop dançante do Saint Etienne; o álbum menos comercial da Legião Urbana; e a viagem até outros planos astrais promovida pelo The Orb. Mês que vem tem mais, e certamente com o nível seguindo lá em cima. Afinal, a “classe de 1991” não estava para brincadeira.
Vida longa e próspera. E obrigado pelos peixes.
Nirvana, “Nevermind”
Eu ouvi “Smells like teen spirit” pela primeira vez em um sábado no final de 1991. Estava na casa de um amigo em Duque de Caxias e assistíamos ao “Top 20” da MTV quando avisaram que rolaria o videoclipe de uma banda chamada Nirvana. E o resto é história.
“Nevermind” foi fundamental para toda uma geração. É exagero dizer que o trio de Seattle “salvou o rock”, pois não faltavam bandas fazendo grandes álbuns, porém o “sinônimo de rock”, na época, era a misoginia megalomaníaca do Guns n’ Roses. Além de ajudar o mundo a descobrir toda a fauna musical de Seattle, imediatamente rotulada como grunge, Kurt Cobain teve as inspirações certeiras (Pixies, R.E.M.) para melodias que levaram a agressividade do punk e rock em geral para as massas, além de letras com as quais qualquer jovem poderia se identificar.
Lançado no mesmo dia (24 de setembro de 1991) que “Blood Sugar Sex Magik”, do Red Hot Chili Peppers, “Nevermind” ainda tinha outros clássicos instantâneos (“Lithium”, “Come as you are”, “Breed”). Mas sempre guardaremos na memória o momento em que assistimos pela primeira vez àquele videoclipe que mostrava o Nirvana tocando em um ginásio de high school vindo do mais profundo dos infernos.
The Orb, “The Orb’s adventure beyond the Ultraworld”
Não faltou jornalista durante a década de 90 afirmando que a música eletrônica seria a “música do futuro”, apesar do futuro ter chegado ainda nos anos 70 por motivos de Kraftwerk – ou até antes, se pensarmos nos pioneiros do uso de aparelhos e instrumentos eletrônicos para criar melodias. Porém, se esquecermos todo esse trololó de quem chegou antes, o álbum de estreia da dupla inglesa The Orb seria um ótimo exemplo do futuro que chegou antes da hora. Alex Patterson e Jimmy Cautty criaram uma viagem eletrônico-musical que recebeu os mais diversos rótulos: ambient house, ambient dub, breakbeat e o óbvio electronica.
Rótulos e (merecidas) comparações com a melhor fase do Pink Floyd à parte, “The Orb’s adventure beyond the Ultraworld” segue como um dos melhores álbuns de música eletrônica de todos os tempos, desses que merecem ser descobertos por quem realmente gosta de música mas perdeu esse bonde de elevação sonora espacial. Com apenas dez faixas e nada menos que 109 minutos de duração, o álbum tem aquelas músicas capazes de expandir as portas da percepção, como “Little fluffy clouds”, “Earth (Gaia)”, “Supernova at the end of the universe”, “Spanish castles in space” e “A huge ever growing pulsating brain that rules from the centre of the Ultraworld’.
Saint Etienne, “Foxbase Alpha”
Um dos “problemas” de 1991 ser tão lotado de álbuns clássicos é que alguns deles não ganharam o espaço merecido. É o caso de “Foxbase Alpha”, estreia fonográfica dos ingleses do Saint Etienne, que fez sucesso na sua terra natal e nas quebradas da Europa, mas passou batido nos Estados Unidos e também por aqui. O primeiro álbum do trio britânico é uma delicinha sonora movida pelos vapores do indie pop e da então emergente cena dance/clubber, mais influências nítidas do pop dos anos 60 – talvez um leve verniz de soul music em algumas músicas, mas aí depende dos critérios auditivos de cada um.
Em todo caso, quem descobrir “Foxbase Alpha” com esse delay de 30 anos poderá curtir músicas como “Spring”, “Girl VII”, “Nothing can stop us” e a versão para “Only love can break your heart”, de Neil Young (única faixa sem os vocais de Sarah Cracknell, tendo sido cantada por Moira Lambert), que parecem ter acabado de sair do forno.
Legião Urbana, “V”
A Legião Urbana vinha do sucesso estrondoso de “As quatro estações”, álbum que deixou claro qual era a maior banda de rock do país – afinal, não é qualquer artista que consegue colocar todas as músicas de um disco nas rádios. Por isso mesmo, “V” surpreendeu pela sua estrutura musical e o tema de algumas letras, ainda que o álbum anterior já tratasse de questões como suicídio, a homossexualidade do vocalista Renato Russo e a tortura durante a ditadura militar.
O álbum começava com uma cantiga de amor em português arcaico (“Love song”), escrita no século XIII, mas os temas principais do álbum eram os efeitos do confisco da poupança feito pelo então presidente Fernando Collor, além da dependência química de Renato, que para piorar descobriu ser portador do vírus HIV. O resultado foi um trabalho que não teve o mesmo sucesso do disco anterior, com o lado A (não esqueça que o vinil ainda mandava) mais depressivo e inspirado no rock progressivo e o lado B mais “leve”.
Apesar de ter uma das piores músicas da Legião (“O mundo anda tão complicado”), “V” reúne alguns dos melhores momentos da banda, como “A montanha mágica”, “Metal contra as nuvens”, “O teatro dos vampiros” e a dilacerante “Vento no litoral”.
Ice Cube, “Death Certificate”
O rapper/ator Ice Cube já havia provocado polêmica em sua estreia solo, “AmeriKKKa’s most wanted” (1989), e assim continuou em seu segundo álbum: polêmico, porém genial, pois “Death certificate” é considerado até hoje um dos melhores discos de rap de todos os tempos. O álbum foi dividido por Ice Cube em dois lados: “O Lado Morte: O mero reflexo de onde estamos hoje”, e “O Lado Vida: Uma visão de onde precisamos ir”. O “Lado Morte” é gangsta rap na veia, com histórias sobre tráfico de drogas, violência, prostituição e outras barras pesadas, enquanto que o “Lado Vida” segue poderoso nas rimas, mas buscava oferecer mensagens mais positivas para a comunidade negra norte-americana.
“Death certificate” manteve o tiroteio verbal contra os ex-colegas do N.W.A., e ainda teve espaço para Ice Cube ser acusado de incitamento ao ódio racial por conta da polêmica “Black Korea”. Controvérsias à parte, o álbum mantém a condição de clássico graças a músicas como “Steady mobbin’”, “Look who’s burnin’” e “The wrong nigga to fuck wit”.