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Quadrinhos de mulheres e meninas de skate

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Oi, gente.

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Por pior que esteja o Brasil de 2020, com ressentidos, incompetentes e covardes de toda sorte destilando doses massivas de misoginia, insegurança e fake news, é incontestável que as mulheres estão lutando por maiores espaços – e conseguindo o que é de direito, ainda bem. Muitas vezes isso acontece aos poucos, mas a realidade tem mudado e cabe a nós apoiar essa luta, porque o outro lado… Sabe como é, até quem deveria ser estadista se comporta como se na quinta série estivesse.

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As histórias em quadrinhos são um bom exemplo, com roteiristas, ilustradoras, arte-finalistas, letristas e coloristas, entre outras funções, ganhando espaço nas editoras, ou publicando suas obras de forma independente. Não faltam talentos dos mais variados estilos, propostas, temáticas e gêneros – um alívio para quem começou a ler HQs há mais de 30 anos, quando se dizia que isso era “coisa de menino” e as meninas podiam, no máximo, ler a Turma da Mônica ou Luluzinha.

A coluna desta semana comenta o trabalho de três dessas artistas: Roberta Cirne, Alice Pereira e Ju Loyola. Entre experiências pessoais, narrativas e estilos diferentes e gêneros que passam ao largo dos super-heróis ou “histórias para meninas”, o trio apresenta um trabalho que merece ser conhecido. E queremos conhecer mais e mais roteiristas e desenhistas brasileiras, basta dar um “oi”, enviar o material, que estamos super a fim de colocar toda essa turma no mapa.

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Ah, peraí. Antes de apresentar o trabalho das moças, precisamos recomendar “Learning to skateboard in a warzone (If you’re a girl)”, que venceu o Oscar na categoria documentário em curta-metragem. Com direção de Carol Dysinger, a produção mostra um grupo de garotas em Cabul, capital do Afeganistão, que estão aprendendo a ler, escrever e… andar de skate.

Sem querer entregar muito da história, vale pelo menos destacar um trecho do documentário, em que a professora pergunta às jovens o significado de coragem, e uma delas responde: “aprender a ler e escrever”. Algo tão cotidiano para nós, mas que pode resultar em risco de morte em muitos lugares do mundo.

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Vida longa e próspera. E obrigado pelos peixes.

JU LOYOLA
A roteirista e ilustrada paulistana é deficiente auditiva, e por conta disso tem se dedicado a produzir quadrinhos de narrativa visual sem roteiro (história muda), em que toda a história é contada exclusivamente por imagens. Esse trabalho já rendeu a ela cinco colocações no Silent Manga Audition Contest (Smac), concurso internacional promovido no Japão.

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Dentre os quatro quadrinhos independentes enviados pela artista estão os dois volumes de “The Witch who loved”. Histórias de horror e suspense passadas em dois momentos distintos (Idade Média e dias atuais), as HQs têm como personagem principal uma jovem (bruxa? feiticeira?) que vive sozinha numa floresta. As outras duas histórias foram feitas em parceria com Kaji Pato: em “I’ll be back”, temos a amizade entre um jovem soldado a caminho da guerra e seu cão, que espera por ele na estação de trem; “The Imagination”, por sua vez, tem como protagonista uma menina que sonha em ser astronauta, e por causa disso embarca em uma viagem imaginária cheia de aventuras.

Todas as revistas são ilustradas em preto e branco, com alguns tons de cinza, e com influência direta das HQs japonesas. São tramas curtas e por isso mesmo simples, mas Ju Loyola tem talento para não precisar de balões de diálogo para contar boas histórias.

O perfil da artista no Instagram é @loyola_ju

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ALICE PEREIRA
Lidar com questões de gênero não é fácil, e os quadrinhos foram um meio para que Alice Pereira contasse sua história. “Pequenas Felicidades Trans”, lançado em 2019, reúne as tirinhas que ela começou a publicar em 2017 – mais material inédito – sobre sua vida como mulher trans. Através de histórias curtas, contadas como se estivesse participando de um talk show, Alice relembra momentos importantes da sua vida, como a infância difícil, os relacionamentos que não deram certo, a decisão de se assumir como mulher trans e todas as alegrias, tristezas, apoios e preconceitos que se seguiram à mais importante mudança de sua vida.

É por meio dos quadrinhos que a roteirista e ilustradora mostra o quanto é importante, nesse momento, o apoio da família, amigos, além da dificuldade persistente em se adaptar à realidade que sonhou, sem contar o medo do preconceito e da violência da qual as mulheres trans podem ser vítimas. Há momentos em que isso fica evidente, e ela relembra situações em que teve de ouvir perguntas, opiniões e propostas que as pessoas jamais fariam a outras se estas se enquadrassem nos padrões “normais” da sociedade.

“Pequenas Felicidades Trans” não é uma ótima HQ, que deveria ser leitura obrigatória para os pais que precisam entender as decisões e desejos de filhos e filhas. E para todos que vivem, de alguma forma, mergulhados na ignorância quando a questão é gênero.
O perfil da artista no Instagram é @alicepereiraart

ROBERTA CIRNE
A recifense Roberta Cirne já participou de vários quadrinhos ao lado de outros artistas, inclusive de títulos vencedores do Troféu HQ MIX. “Sombras do Recife” é seu primeiro trabalho 100% autoral, e tem muito a ver com sua atividade como pesquisadora história e escritora. Com pouco mais de 40 páginas, a HQ mistura quadrinhos e textos históricos para resgatar duas lendas e assombrações de sua terra natal, daquelas que têm versões diferentes em todo o país.

Em “A presença dela: A emparedada da Rua Nova”, Roberta mistura presente e passado para contar a história da jovem que, ao apaixonar-se pela pessoa “errada”, é condenada pelo próprio pai a ser presa pela eternidade entre as paredes da casa da família; em “Boca de Ouro”, a artista adapta o folclore local sobre um homem que, traído pela amada, retorna para sua eterna vingança, com o corpo putrefato mas sempre com os dentes de ouro a adornar a face horrenda. Para quem gosta de quadrinhos de terror, folclore e ótima arte, o primeiro volume de “Sombras do Recife” vale o “ingresso”.

O perfil da artista no Instagram é @sombrasdorecife

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