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Pegando o bonde do ‘Black mirror’

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Oi, gente.

“Black mirror” foi a série-sensação do final de 2016 que, assim como o Natal, chegou de repente – e se tornou a coisa mais genial desde o pão de forma fatiado e sem casca, que todo mundo passou a elogiar e que se você não assistisse seria um pária passível de banimento eterno da sua rede de amigos e sei lá mais o quê.

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Não faltou gente dizendo e escrevendo que a série mostra um lado dark da tecnologia, do quanto nos tornamos dependentes dela, como a danadinha pode ser do mal quando utilizada de forma errada, um negócio cabuloso, com altas reviravoltas, passado em um futuro distópico do qual estaríamos próximos etc. Parecia a televisão reinventada mais uma vez, como se todos os melhores escritores de sci-fi se reunissem para criar algo sensacional e chamassem uns caras fora do padrão como o Chuck Palaniuk para darem uns pitacos na coisa toda. Não sei como ainda não encontrei camisetas sobre a série por aí.

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Este seu ah migo, porém, não entrou de primeira hora no “bonde do ‘Black mirror’ sem freio” e só virou passageiro mês passado, após A Leitora Mais Crítica da Coluna (que saca de teorias da comunicação, semiótica e todos aqueles alemães problematizadores dos anos 30) dar o seu aval. Treze episódios assistidos depois, podemos dizer que “Black mirror” é uma série danada de boa, porém não exatamente pelos mesmos motivos que muitos propagaram por aí.

Vamos considerar. A princípio, a série tem um jeitão de ficção científica distópica, então é fácil todo mundo ficar boladão com essa coisa de redes sociais dominando nossas vidas, implantes cibernéticos nos olhos, clones virtuais, jogos eletrônicos instalados diretamente no cérebro, reality shows bizarros… Da minha parte, vi muito mais uma produção em que a tecnologia serve de fundo, isso sim, para recontar as mesmas histórias que já conhecemos, mas de uma forma que conquiste o público com o “truque”.

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O que se vê nos 13 episódios de “Black mirror” são pessoas tomadas por um ciúme doentio como o visto em “Othelo”, de Shakespeare; solitários que buscam na internet formas de aplacar o vazio da alma; gente disposta a alcançar o sucesso a qualquer preço, a rebeldia transformada em “sabão em pó”; a onipresença das redes sociais; a imposição de uma sociedade verticalizada, dividida em “classes”, “limpa”, em que a individualidade é massacrada pela necessidade de “ser aceito”; o distanciamento provocado pela tecnologia quando nos isolamos em nosso mundo virtual; o medo da morte ou perda de um ente querido e o sonho da imortalidade; instintos primais como o desejo de vingança; o desespero de quem acreditava que a internet era uma terra de ninguém até ser pego com as calças na mão; e por aí vai.

O grande barato de “Black mirror” é esse: mostrar histórias em que as pessoas são o elemento principal, com seus defeitos, medos, sonhos, virtudes, erros e pecados, com as bugigangas tecnológicas que povoam os sonhos da turminha geek sendo apenas a cereja do bolo, reunindo todo esses microcosmos num mesmo universo (sim, ah miga e amigo leitor; procurem os easter eggs da terceira temporada e vejam como tudo está conectado). Tem de tudo um pouco: suspense/terror, drama, guerra, policial, romance, ação, até mesmo ficção científica.

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Nem todos os episódios mantêm o nível, mas a maioria absoluta arrebenta a boca do balão. Meus preferidos são os perturbadores “Shut up and dance” e “White Bear”, além do primeiro de todos, “The national anthem”. Mas a lista poderia muito bem ter “The entire history of you”, “Nosedive”, “Be right back” ou “Hated in the nation”, episódio de 90 minutos melhor que muito filme que chega aos cinemas. Se o seu tempo é curto, pode pular episódios como “The Waldo moment” ou “Me against fire”.

Se a irregularidade entre os episódios é inevitável, pelo menos eles apresentam uma premissa interessante, que vai provocar uma reflexão daquelas na cabecinha do telespectador. Vale a pena assistir, mesmo que você esteja atrasado no bonde do “Black mirror”.

Vida longa e próspera. E obrigado pelos peixes.

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