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Sobre quadrinhos, herdeiros e lobisomens juvenis

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Oi, gente.

A chegada de um herdeiro muda muita coisa em nossas vidas, e isso rola desde o momento em que se descobre que ele está a caminho. Quando esta coluna estiver em suas mãos, estaremos eu, a Leitora Mais Crítica da Coluna e o Imperador Django em um novo lar, tudo por conta de alguém que ainda não chegou e já se faz tão presente. Além de providenciar um novo apê, é preciso reorganizar toda a logística do lar e se desfazer de um monte de coisa, o que me fez enfim tomar a decisão que estava protelando desde quando os dinossauros caminhavam sobre a Terra: vender mais da metade da minha coleção de revistas em quadrinhos.

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A lógica já dizia há muitos anos que era preciso desapegar de centenas e centenas de HQs. Afinal, havia revistas que embalei em plásticos há mais de 25 anos, quando mudei da terra de Marlboro chamada Duque de Caxias para Volta Redonda, e que jamais voltei a ler. Quando se é adolescente, você acredita que é preciso carregar certas coisas para a posteridade, que sempre haverá uma oportunidade de reler a “Grandes Heróis Marvel” com a morte do Guardião, e que um dia você vai passar tudo isso para o herdeiro.

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Mas o tempo atropela todos os seus planos, pois você cresce, arruma emprego, conhece a Leitora Mais Crítica da Coluna. E o futuro, quem diria, chega com força total: é TV por assinatura, internet, videogame, centenas de livros, uma tonelada e mais meio limão de revistas inéditas que você compra e passa meses sem tempo de folhear. Aquelas caixas com os formatinhos da Abril, coitadas, mais e mais vão sendo escanteadas. E ainda tem o fato de que passa a olhar a coleção em retrospectiva e vê que não faltam histórias ruins, e que sua preocupação com a cronologia (argh!) era tolice de nerd adolescente; afinal, quem se importa com as besteiras que o Mercúrio fazia em 1971?

Mas não somos movidos apenas pela lógica. Separar todas aquelas revistas também tem o seu lado saudosista. Você pega a edição 53 de “O Incrível Hulk”, a revista que deu o empurrão na decisão de colecionar quadrinhos de super-heróis, e bate uma nostalgia das boas. É lembrar do dia que foi até a banca da Rua 33, nas suas férias em Volta Redonda, e comprou numa tacada só as revistas do Homem-Aranha, Hulk, Capitão América, Novos Titãs, “Heróis da TV”, “Superaventuras Marvel” (com aqueles tais X-Men que você lia como Xis-Men”) e “Grandes Heróis Marvel”. São os gibis que fizeram com que você conhecesse um novo mundo dentro da cultura pop, personagens como Wolverine, Demolidor, Cavaleiro da Lua, Doutor Estranho, Sandman, escritores e artistas do nível de um Neil Gaiman, Frank Miller.

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Apesar de reconhecer, hoje, que havia o entusiasmo de lobisomem juvenil na ânsia de ler tudo o que existia, também fica a sensação de que não preciso me arrepender de ter remado contra a maré que havia na época: ser o único de sua turma na escola que conhecia os tais “Xis-Men”, de tentar convencer meus pais o quanto era importante comprar a graphic novel do Demolidor desenhada pelo Bill Sienkiewicz, economizar o dinheiro da passagem para comprar “O cavaleiro das trevas”.

Para o bem e (talvez um pouquinho) para o mal, foram essas leituras que me ajudaram a ser a pessoa que está aqui, hoje, trabalhando nesta empresa vital e escrevendo estas linhas; e que, mesmo tendo passado dos 40, mantém muito do entusiasmo juvenil que espera passar, daqui a alguns anos, para o pequeno que está a caminho.

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Vida longa e próspera. E muito, muito obrigado pelos peixes musicais, David Bowie.

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