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Os heróis e anti-heróis do Universo Guará são coisa nossa

santo destacada
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Oi, gente.

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O mundo tem andado muito complicado, né?, um eufemismo para a triste realidade: estamos ferrados, o futuro não parece nada promissor, a distopia de “Years and years” (ainda não assistiu?) está prestes a arregaçar a porta a pontapés, então o jeito é nos agarrarmos aos pequenos prazeres da vida. Como descobrir coisas legais para ler, assistir, ouvir, ter amigos que recomendem essas paradas, e compartilhar. Recomendar aos outros, fazer a roda girar. Poucas coisas me deixam mais feliz do que ter a oportunidade de chegar para um parceiro, uma colega, A Leitora Mais Crítica da Coluna, e dizer: “olha, isso é muito legal, é a sua cara, você vai gostar, é a melhor desde a invenção do pão de forma fatiado”. Afinal, apesar das trevas, a arte e a cultura são importantes para a evolução do ser humano, e quero ver todo mundo no mesmo bonde.

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Daí que de vez em quando fazemos aquelas descobertas que valem a pena ser compartilhadas. Foi assim há cerca de duas semanas, quando descobri numa banca de jornal perto da redação as três HQs lançadas recentemente pela Guará Entretenimento: “Santo”, “Pérola” e “Os Desviantes”. A editora fundada por Luciano Cunha (criador do Doutrinador) e Gabriel Wainer (roteirista e neto do jornalista Samuel Wainer) criou o seu próprio universo nas HQs a partir de alguns conceitos já conhecidos pelos leitores de quadrinhos, porém com personagens com características locais – e no mesmo mundo já habitado pelo Doutrinador, que foi levado para o cinema ano passado. A ideia, aliás, é levar todos esses heróis e anti-heróis, além de outros que já aparecem no site da editora, como O Finalizador, para outras mídias, assim como acompanhamos no MCU (Universo Cinematográfico Marvel) e foi feito com o personagem que deu início ao “Guaráverso”.

Para quem precisa e gosta de descobrir coisas diferentes, os quadrinhos do Universo Guará chegam em boa hora. Com suas qualidades e alguns defeitos, os três títulos mostram que a nona arte feita no Brasil tem muito espaço a conquistar.
Vida longa e próspera. E obrigado pelos peixes.

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SANTO
Melhor HQ da trinca lançada pela Guará, é a que tem o roteiro mais redondinho, apesar do menor número de páginas. Com um quê de “Hellblazer” (clássico título do selo Vertigo estrelado por John Constantine), a história se passa no Rio de Janeiro e tem como protagonista o professor Salvador Sales, médium que rejeita sua capacidade de entrar em contato com o sobrenatural. Porém, assim como tantos heróis a princípio relutantes, ele se vê forçado a agir quando presencia o resultado do ataque a mais um centro de umbanda, e descobre a ligação entre políticos, religiosos e um culto que mistura magia negra e arianismo.
Um dos trunfos da HQ escrita por Luciano Cunha e Gabriel Wainer é unir questões do mundo real – como a intolerância em relação às religiões de natureza africana – a elementos dos quadrinhos de magia e terror a partir de características locais. Outro destaque vai para a arte de Mikhael Raio Solar, que em alguns momentos lembra o trabalho de Mike Mignola em “Hellboy”, outra HQ da qual “Santo” parece beber da fonte.

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OS DESVIANTES
Com roteiro de Rafa Kraus e Gabriel Wainer e desenhos de Juliano Henrique, “Os Desviantes” seria o equivalente brasileiro dos X-Men. Em um futuro indeterminado, depois do mundo passar por eventos apocalípticos, guerras, todo tipo de desgraça, o que restou do Brasil se divide entre uma casta superior, que vive nas Fortalezas, e a Resistência, formada por rebeldes que tentam desestabilizar e derrubar o status quo. Há, também, toda uma sorte de desamparados que lutam para sobreviver, e de onde a Fortaleza “arruma” cobaias para experimentos transumanos, comandados pelo insensível Peter Wine.

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Graças a uma série de eventos, duas dessas cobaias, Fióti (que parece ter poderes elétricos) e Tom (um paraplégico transformado em ciborgue pelo pai), acabam se conhecendo, fugindo de seus algozes e cruzam caminho com a indígena Anita, que tem o poder de voar. Juntos, o trio terá que fugir das ambições nada nobres do Dr. Wine.

A história mistura elementos de ficção científica, “Mad Max”, cenários de ruína no Rio de Janeiro e Angra dos Reis, cultura brasileira e apresenta um universo de personagens interessante. Porém, a necessidade aparente de passar tanta informação em pouco espaço prejudica o desenvolvimento da trama. Mas “Os Desviantes” tem potencial.

 

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PÉROLA
Kika Hamaoui se junta a Gabriel Wainer para contar a história de Pérola, jovem que foge para os grandes centros com a irmã Belinha depois de matar o padrasto abusador, que ainda a oferecia como cobaia para testes ilegais de uma corporação farmacêutica. Na metrópole, ela não tem vergonha em se prostituir para sobreviver e assim oferecer tudo de melhor para a irmã, mas sempre em seus termos. É por conta disso que ele se envolve no universo da corrupção política – com direito a participação do Doutrinador – e do tráfico de crianças a adolescentes, e terá que usar os poderes que não conhecia para fazer justiça com os próprios punhos.

“Pérola” tem entre suas qualidades uma heroína forte, empoderada, que não tem vergonha do que faz – num mundo tão barra-pesada como o da prostituição, ela é quem dita as regras. Tratar de tráfico de crianças também é algo pouco usual nos quadrinhos, e a arte de Péricles Junior é excelente. Mas, dos três títulos, é o que enfrenta mais problemas, com uma narrativa muitas vezes confusa: aqui, a necessidade de contar muita coisa em pouco espaço cobra o seu preço, com personagens que aparecem do nada e da mesma forma são esquecidos.

Mesmo com esses problemas, o carisma da protagonista, os temas trabalhados e o gancho para a próxima edição fazem de Pérola a heroína que precisamos num país em que o machismo e a misoginia encontraram terreno fértil nos últimos tempos. E na qual as mulheres, jovens ou adultas, podem se espelhar.

 

Cena pós-créditos (ou bonus track, se preferir)

Já que escrever sobre música é uma das razões de existir da coluna, tomamos vergonha na cara e criamos uma playlist no Spotify com tudo aquilo que rola em nossos (meus, né?) fones de ouvido. Independente de estilo ou época, é onde o ah migo leitor e a ah miga leitora poderão saber o que ouvimos enquanto escrevemos a coluna, trabalhamos em  outras matérias, andamos pela rua, estamos em casa, no carro, lendo, fazendo compras, ignorando pessoas no ônibus, na fila do banco ou brigando com estranhos nas redes sociais.

Entre coisas novas, antigas, que fazem parte de nossa memória afetiva, alternativas ou não, a playlist será atualizada constantemente. Afinal, música boa a gente descobre ou resgata todo santo dia.

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