Oi, gente.
Já comentamos neste espaço que o Apple TV+ pode não ser o serviço de streaming com a maior variedade, mas é imbatível em termos de qualidade. Não tem para HBO Max, Netflix, Disney+ e outras plataformas semelhantes: com séries da qualidade de “Ted Lasso”, “Servant”, “Fundação”, “Em defesa de Jacob”, “Physical”, “Invasão”, “O psiquiatra ao lado”, “For all mankind”, “Calls” (e olha que tem mais de uma dúzia que ainda não assisti, mas desejo), a empresa da Maçã tem, disparado, o melhor custo-benefício quando o assunto é a equação “qualidade – quer pagar quanto?”. Afinal, são apenas R$ 9,90 por mês, só é chato feito o cão da depressão para fazer a assinatura: tem que instalar o iTunes no computador, torcer para o banco não achar que foi feita uma compra desconhecida no seu cartão etc. E não tem aplicativo para celulares Android, mas funciona em aparelhos que rodam Android TV, vai entender.
A lista de ótimas séries do Apple TV+ teve uma espetacular adição nas últimas semanas, com a estreia de “Ruptura” (“Severance”), que teve o nono e último episódio da primeira temporada exibido sexta-feira. A produção criada por Dan Erickson mistura drama, ficção científica e toques de absurdo para tratar de temas como luto, relações interpessoais e o clima abusivo que cada vez mais encontramos no mundo corporativo e nos mais diversos ambientes de trabalho.
O personagem principal é Mark Scout, que aceita trabalhar para a corporação Lumon após passar pela Ruptura, um procedimento médico que implanta no cérebro do funcionário um dispositivo que cria duas personalidades no indivíduo: uma delas, a nova, é a que passa oito horas por dia, de segunda a sexta-feira, no trabalho, e que não tem memória alguma de sua vida fora do escritório, e nem mesmo sabe quem ele é fora dali. A outra é a identidade original, que vai para casa, tem filhos, amigos, hobbies, e obviamente não sabe no que seu “interno” trabalha ou se ele é feliz, tratado de forma digna ou se tem uma personalidade e gostos parecidos. Por outro lado, o Mark do trabalho não sabe que seu “externo” aceitou o procedimento apenas para esquecer, por oito horas diárias, a dor da perda da esposa.
Na Lumon, ele é conhecido apenas como Mark S. e trabalha no setor de Refinamento de Macrodados, que se resume a ver números aleatórios na tela de um computador muito antigo e selecionar aqueles que provocam algum “sentimento”. Outras três pessoas trabalham com ele: Irving (John Turtutto), Dylan (Zach Cherry) e a novata Helly(Britt Lower), que substitui Petey (Yul Vazquez), que aparentemente pediu demissão. Logo no primeiro dia, Helly tenta largar o emprego, mas, apesar de todas as suas tentativas desesperadas nos dias seguintes, seu pedido de demissão nunca é aceito pela sua “exterior”.
Com direção de Ben Stiller (sim, o nosso querido Zoolander!) e Aoife McArdle, os nove episódios da primeira temporada criam todo um clima de drama, suspense e mistério entremeados por situações absurdas típicas do mundo corporativo, com seus manuais, prêmios ridículos por metas alcançadas e toda aquela conversa fiada típica da autoajuda que tem por objetivo “incentivar os colaboradores”. O que se vê, entretanto, é todo o ambiente nocivo do mundo corporativo, com relações abusivas por parte das posições de comando – incluindo o inacreditável castigo na Sala de Descanso quando algum funcionário se comporta “mal”.
Para criar esse clima opressivo, “Ruptura” é impecável nos figurinos e, principalmente, nos cenários. Além dos quase infinitos corredores brancos, misturando claustrofobia com os labirintos para ratos de laboratório, todo o ambiente é impessoal, “limpo”, com salas imensas ocupadas por poucos e minúsculos cubículos, que dão a dimensão insignificante do funcionário perante o poder da empresa.
Já renovada para uma segunda temporada, “Ruptura” é uma série imperdível, uma das produções mais instigantes do streaming nos dias atuais. Definitivamente, não é difícil se identificar com inúmeras situações vividas pelos personagens, principalmente porque todos nós, em algum momento, já passamos pela situação de querer esquecer tudo que se passa em nossos ambientes de trabalho.
Além de “Ruptura”, outra produção que terminamos e recomendamos é a minissérie “Estação Onze”, do HBO Max, que adapta o livro homônimo de Emily St. John Mandel lançado em 2014 – portanto, muito antes da pandemia, o que torna o timing das duas obras ainda mais perturbador, visto que a minissérie começou a ser gravada antes de março de 2020.
Criada para a TV por Patrick Somerville, a adaptação de “Estação Onze” tem alterações significativas em relação à obra original, vencedora do Prêmio Arthur C. Clarke em 2015, mas o clima de distopia pós-apocalíptica se manteve. Com alguns flashbacks para situar o espectador, a história se passa vinte anos depois que uma pandemia avassaladora dizimou a humanidade. Com uma taxa de contaminação e desenvolvimento de sintomas fulminantes, ela tinha uma taxa de sobrevivência de uma em cada mil pessoas.
Os poucos sobreviventes se instalaram em pequenas comunidades, sem energia elétrica, medicamentos, meios de transporte a motor, internet e outras facilidades que temos e mal percebemos. Uma dessas sobreviventes é Kirsten (Mackenzie Davis), que era uma criança no dia em que a pandemia se alastrou e criou o chamado Ano Zero. Ela faz parte da Sinfonia Itinerante, que roda a região dos Grandes Lagos, nos “antigos” Estados Unidos, realizando apresentações musicais e teatrais.
Além de acompanharmos esses personagens, é graças às viagens da Sinfonia que conhecemos como outros grupos conseguiram se estabelecer, e também os perigos que ainda rondam as estradas e localidades, personificadas pelo Profeta. Com os flashbacks, vemos como a humanidade estava completamente despreparada para a tragédia, e como foi difícil para quem sobreviveu ao vírus lidar com essa nova realidade.
Assim como “Ruptura”, “Estação Onze” é daquelas produções que dá gosto de assistir e recomendar aos ah migos e ah migas. E o livro é bom demais, vale acrescentar.
Vida longa e próspera. E obrigado pelos peixes.