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Quadrinhos para todas as idades, e sem censura

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Oi, gente.

O Troféu HQ Mix, a principal premiação dos quadrinhos no Brasil, realiza sua 31ª edição no próximo domingo (15) no Sesc Pompeia, em São Paulo, quando serão anunciados os vencedores em 28 categorias, entre produções nacionais e estrangeiras. Como obviamente não teríamos tempo e acesso a todos os trabalhos concorrentes – sem contar que faltaria espaço para tanta resenha -, vamos analisar na coluna desta semana quatro títulos publicados pela editora Sesi-SP que chegaram às nossas mãos nas últimas semanas, e que foram indicados a pelo menos uma categoria na HQ Mix.

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Com gêneros, temáticas, estilos, narrativas, propostas e formatos diferentes, as histórias publicadas pela Sesi-SP mostram que os quadrinhos podem ser – e na verdade sempre foram – tão relevantes quanto toda boa literatura, com histórias que podem ser lidas, muitas vezes, por crianças e adultos sem causar nenhuma tentativa de censura obscurantista. São trabalhos com temáticas universais e capazes de emocionar e provocar identificação com seus personagens.

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Para os aficionados pela nona arte, as dicas estão aí.

Vida longa e próspera. E obrigado pelos peixes.

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SUNNY – O LADO BOM DA VIDA
Único título gringo da lista, é uma daquelas boas surpresas que as boas HQs podem nos reservar. “Sunny – O lado bom da vida” é uma história passada em meados dos anos 70 com toques autobiográficos, em que os irmãos Jennifer L. Holm e Matthew Holm fundem suas memórias para criar Sunny, de dez anos de idade. Irmã do meio de uma família da Pensilvânia, ela vê as férias de verão na praia trocadas por uma temporada solitária na casa do avô, que mora na Flórida. No início ela fica animada, imaginando altos passeios pela Disney, mas ao chegar descobre que ele mora em uma comunidade habitada apenas por idosos – daqueles que jantam às cinco da tarde para pegar o desconto em restaurantes.

A única criança nas proximidades é um moleque da mesma idade, que desperta em Sunny o interesse e paixão pelos quadrinhos e com quem vive aventuras como encarar jacarés e resgatar gatinhos para idosas. Sunny, porém, percebe que tem alguma coisa errada, como o avô que tenta esconder sua condição de fumante reincidente e os motivos para que ela tenha sido despachada para longa de casa.

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Não vamos entregar spoilers, mas “Sunny – O lado bom da vida” cativa por usar de traços simples para contar uma história que nós, adultos, já vivemos de alguma forma no passado. Sabe quando você é jovem demais para ser incluído nos problemas de gente grande, mas esperto o suficiente para desconfiar que estão escondendo algo de ti? No meu caso isso aconteceu há quase 40 anos, quando as férias na casa dos meus avós duraram nada menos que três meses, pois ela foi esticada quando uma de minhas irmãs quase morreu por problemas renais. Só fui saber o drama que ela e meus pais viveram quando voltei para casa.

Talvez a principal mensagem da HQ seja mostrar que o melhor a fazer é sempre explicar aos nossos filhos – se eles já tiverem idade para entender – o que está acontecendo quando todos encaram uma situação ruim, e deixar que eles possam colocar para fora suas emoções, seus medos, o que eles precisam para se sentirem confortados; jamais deixá-los no escuro.

Se depender de mim, este será um dos primeiros gibis que Antônio vai ler.

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ISTO NÃO É UM ASSASSINO
“Baseado em fatos surreais”, como já avisa na capa, o projeto de Hugo Aguiar e Gustavo Machado é uma homenagem ao pintor belga René Magritte, um dos grandes expoentes do surrealismo, e mostra que os quadrinhos podem explorar narrativas nada convencionais. A partir do auto-retrato “O Filho do Homem” (1964), um dos mais conhecidos trabalhos do artista, Hugo e Gustavo fazem um festival de referências para colocar criador e criatura frente a frente a um assassinato, à vítima desse crime, e deixam em aberto a pergunta: quem é o verdadeiro assassino? A resposta, aliás, pode ser dada pelo próprio leitor, pois um leitor QR Code no final da revista permite que desenhemos o rosto do “nosso” criminoso.

Sem diálogos e com um mínimo de texto, “Isto não é um assassino” apresenta uma arte em preto e branco que revisita de forma marcante o trabalho de René Magritte, com Gustavo Machado mostrando que entende do ofício nos momentos dramáticos, de ação, com enquadramentos arrojados. Gostamos.

NOBRE/LOBO
Gustavo Tertoleone (roteiro) e João Gabriel (arte) produziram uma graphic novel que é quase um roteiro de filme pronto e acabado, de tão amarrada e instigante que é a história, do tipo que prende nossa atenção do início ao fim, ainda mais com o drama e choque das páginas iniciais.
“Nobre/Lobo” é um thriller policial com dois investigadores da Polícia Civil paulista às voltas com a investigação do misterioso – e sem pista alguma – desaparecimento de dezenas de crianças. Assim como nos similares americanos, os dois policiais têm suas diferenças, mas os anos juntos criou um forte laço de companheirismo profissional e amizade. Ah, sim, vale destacar que essas diferenças são daquelas que se completam e fazem com que a dupla trabalhe afinada a partir das qualidades individuais.

À medida que a história se aprofunda, porém, os dois percebem que os sequestros das crianças vão além de um crime comum, e isso passa a afetar o relacionamento entre os policiais e como eles encaram a situação, até um desfecho que… Enfim, vai lá comprar a HQ, que vale a pena.

Se já elogiamos o roteiro de Gustavo Tertoleone, a arte de João Gabriel ajuda a fazer da graphic novel uma das melhores coisas made in Brazil que lemos nos últimos tempos, valorizada ainda pela colorização de Danilo Freitas, que entre outras qualidades dá profundidade aos desenhos e faz com que o trabalho lembre, em alguns momentos, “Estrada para a Danação”, HQ do Motoqueiro Fantasma desenhada e colorizada por Clayton Crain a partir do roteiro do nosso querido Garth Ennis.

CASTANHA DO PARÁ
Com inspiração no conto “Adolescendo solar”, de Luizan Pinheiro, o trabalho de estreia do mineiro Gidalti Jr. venceu o Prêmio Jabuti em 2017 na então estreante categoria História em Quadrinhos. Espécie de fábula moderna, “Castanha do Pará” se vale de elementos do realismo fantástico para contar uma história tão comum em nosso país, principalmente entre a população que vive no andar de baixo.

O personagem principal é Castanha, um menino com corpo de gente e cabeça de urubu – aliás, todas as crianças têm cabeça de bicho na história -, filho de uma ex-prostituta que foi viver com um sujeito que vive de bicos, bebe além da conta e desconta toda sua fúria na companheira – e às vezes no guri, que depois de um acontecimento trágico foge de casa e sobrevive como pode nas cercanias do mercado público Ver-o-peso, em Belém, onde se desenrola a trama, em que o real e o imaginário mostram que até mesmo as crianças castigadas pela falta de amor podem sonhar.

A história, contada por uma vizinha a um policial militar, deixa o leitor em dúvida se o que é relatado aconteceu ou não, pois a moradora relata o que viu, ouviu dizer e o que prefere definir como fato consumado. Ao final, com seu desfecho que mistura fantasia à realidade, “Castanha do Pará” nos faz refletir sobre segregação social, preconceito, ignorância, violência doméstica e sobre o quanto nossas atitudes podem influenciar a formação das futuras gerações.

Enquanto isso, na Sala de Justiça…

Nunca é demais lembrar que a coluna segue com sua playlist no Spotify. É só procurar por “…E obrigado pelos peixes” e se lambuzar com as quase 80 horas de músicas que separamos pensando em você, ah migo leitor e ah miga leitora. Só coisa phyna, com gente elegante e sincera.

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