Oi, gente.
Hoje vou falar (escrever?) sobre Lúcifer, mas não aquele que a maioria da galerinha cristã conhece como Diabo, Capeta, Coisa-Ruim, Cramulhão, Demônio. Pensando bem, é e não é a mesma figura: o Lúcifer a que me refiro é personagem de “Sandman” (a série em quadrinhos de Neil Gaiman), que um dia fica de saco cheio de ser o mandachuva do Inferno e resolve pendurar as chuteiras, expulsando do local todos os demônios e almas condenadas e fechando os portões da terra da danação eterna. E que entrega as chaves para Morpheus, o soberano do Sonhar, que não sabe o que fazer com os novos domínios. Tudo isso rendeu um dos melhores arcos de “Sandman”, “Estação das Brumas”, que termina com nosso querido Lúcifer – belíssimo nome, que significa “Estrela da Manhã”, mas imagina o horror na sociedade se batizasse meu guri assim – curtindo a aposentadoria à beira da praia.
Pois bem. O diabinho camarada fez tanto sucesso que ganhou sua própria série na Vertigo, escrita por Mike Carey, que durou 75 edições e mostrava Lúcifer como o dono de um piano-bar em Los Angeles e envolvido em altas discussões filosóficas, tentando viver uma vida sem interferência do Criador, coisa e tal. Vida que segue, a revista encontrou seu fim, a televisão virou a nova Meca da criatividade, e tome personagens de quadrinhos aparecendo na telinha – alguns com muito sucesso (Demolidor) e outros (Constantine), coitados, comendo o pão que o diabo sapateou em cima. E alguém lembrou que Lúcifer tinha uma história legal e poderia virar uma boa série de TV. E a ideia ficou rodando por aí. E então fizeram um piloto. E o piloto foi aprovado. E Lúcifer virou “Lucifer”, seriado que estreou em fevereiro nos Estados Unidos (por aqui, nada ainda). E a gente assistiu. E a gente gostou, mas também não gostou. Porque a vida é muito difícil, ah migos e ah migas, e ter que entender aonde esse povo da televisão quer chegar com certas ideias é complicado que só.
O nosso Lucifer Morningstar tem alguns lances parecidos com os quadrinhos, como morar em Los Angeles, ser dono de uma boate, tocar piano e tentar viver de acordo com o seu livre-arbítrio, sem ter que prestar contas a ninguém (leia-se Deus). Ele continua fazendo seus tratos com quem precisa de uma mãozinha, é carismático, impulsivo, tem sotaque inglês, diverte-se com a nova vida, intromete-se onde não é chamado. Da vida antiga, guarda o poder de fazer as pessoas revelarem seus desejos mais ocultos e provocar pânico, histeria, quando mostra o rosto infernal. Sujeito divertido, enfim, que poderia ser o seu, o meu, o nosso amigo.
Mas esse povo da TV tinha que arrumar um porém para estragar o que poderia ser perfeito, assim como aconteceu com a finada “Constantine”: eles transformaram “Lucifer” numa série policial! Sabe aquelas séries que precisam resolver um crime por semana? A vida do primeiro dos anjos caídos se resume a administrar a boate, dar uns amassos numa psicóloga, sacanear um anjo CDF, dar uns amassos em outras gurias e “trabalhar” como consultor civil oficial da Polícia de Los Angeles. “Lucifer”, quem diria, é uma mistura de séries como “Elementary”, “The Mentalist”, “Monk”, “Psych”, “Elementary” e até mesmo “House”, mas com o Demônio brincando de detetive. Dá para assistir? Por enquanto, sim. Mas o Diabo merecia coisa melhor. Vida longa e próspera. E obrigado pelos peixes.