Oi, gente.
Em primeiro lugar, vamos mandar a real: gostamos da primeira temporada da versão em live-action de “Cowboy Bebop” produzida pela Netflix, e esperamos que não cancelem porque foi muito legal revisitar esse universo sob uma nova perspectiva. Entretanto, como era de se esperar, a adaptação de um dos melhores animes de todos os tempos é inferior à obra original e tem alguns defeitos, se bem que parte deles é mais pela inevitável comparação entre as obras; se fosse algo totalmente inédito, não entraríamos na vibe do “ahn… isso era mais legal no anime”.
Pois é, o problema das adaptações é ter que lidar, em muitos casos, com obras consagradas em seu formato original, que vão chegar com expectativas a mil e cobrança por parte dos fãs para que seja algo tão genial quanto. Ou pior: que seja tudo exatamente igual, frame a frame, frase a frase, não poder mudar gênero e etnia dos personagens e outras tolices do gênero. E é aquilo, não dá para ser totalmente fiel por vários motivos, pois entram na conta os custos de produção, narrativa, excesso de personagens, público alvo, mil coisas.
E exemplos de expectativas frustradas ou superadas existem aos montes. Por exemplo: “Preacher” é um dos clássicos dos quadrinhos dos anos 90, e quando anunciaram a série de TV foi aquele auê, todo mundo imaginando que iria revolucionar a televisão… e foi uma boa série, mas que não teve nem dez por cento do impacto dos quadrinhos e, apesar de ter mantido o espírito da HQ, ninguém se lembra dela. Ficou a sensação de que poderia ter sido maior, tão popular quanto “The Boys” – que tem o mesmo criador, Garth Ennis -, mas, enfim, quem acompanhou não se arrependeu.
Por outro lado, “The Expanse” é um caso de série que podemos dizer que igualou/superou o material em que é baseada, a série de livros iniciada com “Leviatã desperta”. Neste caso, entretanto, a minha percepção pode ter sido “prejudicada” pelo fato de que conheci o livro depois de ter assistido às cinco temporadas já lançadas da série (a sexta estreia daqui a dois dias, no Prime Video, tirem o atraso). Mas aí tem a questão de que falamos de um livro, então não tínhamos algo visual para comparar, mas acredito que os fãs do original não devem ter do que reclamar.
Pegando o touro pelo chifre a partir dessas perspectivas, vamos então dar nossas considerações consideráveis sobre “Cowboy Bebop”. Se não me falha a memória, a primeira vez que assisti à série foi em 2002, no extinto canal Locomotion (saudades!), e foi amor aos primeiros acordes de “Tank!”, a absurdamente perfeita faixa de abertura composta pela japonesa Yoko Kanno, responsável pela composição de toda a trilha sonora, executada pelos Seatbelts.
Foram 26 episódios que misturavam ficção científica, drama, comédia, film noir, vingança, uma galeria de vilões esquisitos e um trio de protagonistas carismáticos, que viviam se estranhando mas que nunca deixavam o outro na mão. E, descontado o preço que o tempo cobra, a qualidade da animação ainda fica acima da média, e a já citada trilha sonora tornava o conjunto da obra perfeito. Não foram poucas as vezes em que reprisei a experiência de assistir à série do início ao fim.
Quando anunciaram a versão live-action, não caí na bait de assistir mais uma vez ao anime, pois iria envenenar a experiência na hora de mergulhar nessa nova versão da história – por isso mesmo, só percebi uma ou outra mudança na personalidade de alguns personagens, na dinâmica dos relacionamentos, ou até mesmo se há na produção da Netflix algo que não existia no anime de 1998.
Com a memória relativamente “limpa”, acompanhamos os dez episódios da primeira temporada com um misto de expectativas altas e o medo de que a série descambasse para o desastre de “Legado de Júpiter”. Podemos dizer, ao final, que a versão live-action não chegou perto da perfeição do anime, mas que a produção é boa o suficiente para ganhar quantas temporadas forem necessárias para encerrar a história. Acreditamos, principalmente, que o neófito em “Cowboy Bebop” deve ter gostado mais ainda.
Entre a lista de coisa que gostamos, a escolha do elenco que interpreta os protagonistas foi muito feliz. Daniella Pineda, John Cho e Mustafa Shakir foram ótimas escolhas para darem vida, respectivamente, a Faye Valentine, Spike Spiegel e Jet Black. Li e ouvi algumas reclamações a respeito das mudanças nos personagens, mas, se pensarmos que a série precisa ter outra dinâmica e os episódios têm o dobro de duração da animação, o fato de estarmos a assistir a uma ADAPTAÇÃO justifica as mudanças; a questão é fazer bem feito, e isso a produção conseguiu.
Os demais coadjuvantes, sejam os recorrentes ou os alvos/vilões da semana enfrentados pelo trio de caçadores de recompensas (ou Cowboys), são igualmente memoráveis – John Noble, mais uma vez, justifica o cantinho que tem em nossos corações. Infelizmente, dois personagens importantes na história, Julia (Elena Satine) e Vicious (Alex Hassell), são prejudicados por uma das poucas escolhas infelizes na adaptação. As motivações da mocinha cobiçada por Vicious e Spike têm uma reviravolta bizarra e sem sentido no final da primeira temporada, enquanto que Vicious deixou de ser um vilão complexo para adotar uma postura de macho tóxico e mimado.
O roteiro, às vezes, dá algumas derrapadas, e a direção também aposta, em certos momentos, em maneirismos e cenas de luta que tentam emular o anime, mas que oscilam entre “que legal! Tá igual ao desenho” e o “putz, isso tá quase cringe”. Todavia, são pequenos pecados quando pensamos que a adaptação de “Cowboy Bebop” tem uma ótima história, personagens carismáticos, charme, personalidade, ótimos figurinos e cenários, efeitos especiais que não fazem feio e, claro, a trilha sonora matadora, que ainda ganhou 25 novos temas.
Sobre a trilha, um comentário final: a pessoa que ousar pular a abertura de “Cowboy Bebop” merece ser castigada com 50 repetições de todos os filmes de “Cinquenta tons de cinza”. Pecado como esse deve ter o castigo merecido, pois a série tem a melhor trilha sonora de qualquer animação ou série live-action já criada pela humanidade.
E é isso. Semana que vem tem mais.
Vida longa e próspera, Cabeleira. E obrigado pelos peixes.