Oi, gente.
Não estou com o melhor dos humores, principalmente porque as coisas boas não são novas, e (praticamente) todas as coisas novas em tempos de pandemia não são boas. Até coisas pequenas, como pegar o notebook d’A Leitora Mais Crítica da Coluna porque o teclado do meu PC resolveu morrer (e eu não acredito que ninguém vai ressuscitar ao terceiro dia), provocam aquela certeza de que lutaremos como nunca e perderemos como sempre.
Após 71 palavras de pessimismo, vamos tratar das pouquíssimas coisas novas e boas da cultura pop. Uma delas é o retorno do My Bloody Valentine ao serviço de streaming. O quarteto irlandês havia sumido das plataformas digitais há algum tempo, e aí surgiram postagens misteriosas nas redes sociais em que o grupo anunciava que alguma coisa importante aconteceria no último dia 31. E o que aconteceu _ apesar de alguns irem além e sonharem com um novo álbum – foi justamente o glorioso retorno dos álbuns “Isn’t anything”, “Loveless” e “mbv”, mais a coletânea “ep’s 1988-1991 and rare tracks” ao streaming.
Os discos voltaram remasterizadas e com qualidade de som hi-fi em algumas plataformas. Que delícia poder curtir novamente alguns dos maiores clássicos do shoegaze com a qualidade sonora que merecem, aquelas guitarras que parecem ter surgido de outra dimensão musical e provocam o desejo de viver em um plano abstrato de reverbs e distorção infinitos.
E sabem aquele lance de “não deixem a gente sonhar”? Pois então. O senhor Kevin Shields, líder da banda, foi entrevistado pela “Veja” e disse que o My Bloody Valentine deve lançar DOIS ÁLBUNS em breve. DOIS. Haja coração pra tanta emoção.
Outro motivo de alegria foi o lançamento da animação “Círculo de Fogo: The Black”, que está no catálogo da Netflix. Nunca me canso de declarar meu amor a “Círculo de Fogo”, aquele filme maravilhoso do Guillermo del Toro, e o quanto a sua continuação _ sem o diretor mexicano _ é horrível e verdadeiro lixo radioativo, porque simplesmente jogaram fora tudo de bom que havia no original.
A descoberta da versão animada de “Pacific Rim” deu aquele medo, pois o que piorou sempre pode piorar. Todavia, os sete episódios da primeira temporada me surpreenderam. A história se passa na Oceania, em algum momento depois do segundo filme, em que a humanidade precisou abandonar a Austrália depois que os Kaijus fizeram uma invasão maciça. Dentre os poucos que ficaram para trás está um casal de irmãos, cujos pais comandavam um Jeager mas desapareceram depois que os deixaram num lugar seguro com outros sobreviventes.
Depois de cinco anos sem notícias, eles descobrem por acidente um Jaeger de treinamento desativado, o Atlas Destroyer. Os irmãos resolvem partir em busca dos pais para descobrir se eles sobreviveram e também se houve alguma reviravolta na guerra. O problema é que o Jaeger não tem nenhum tipo de armamento, e o que não falta no deserto australiano e cidades abandonas é Kaiju disposto a transformar qualquer robô em sucata.
A história é bem legal, com uma animação de qualidade em que os Jaegers se movem com a mesma dinâmica do filme de 2013, e não igual àquele arremedo de “Transformers” que vimos em “Círculo de Fogo: A revolta”. E a história tem mais a oferecer, com mistérios que envolvem gangues que traficam ovos e pedaços de Kaijus, bioengenharia e criaturas que não existiam no mitologia criada por del Toro. São sete episódios que passam rapidinho, e já queremos a prometida segunda temporada.
Porém, nem tudo é boa notícia. O canal Starz anunciou na última semana o cancelamento de “American Gods”, que por aqui faz parte do catálogo do Prime Video. O motivo principal foi a queda vertiginosa de audiência nos episódios mais recentes da decepcionante terceira temporada.
A primeira temporada prometeu e conseguiu levar para a TV todo aquele universo sensacional criado por Neil Gaiman no livro “Deuses americanos”, com os antigos e decadentes deuses sendo convocados para uma guerra com os novos deuses, criados pela tecnologia e dispostos a passar o cerol nas divindades do passado. E ainda tinha aquela fotografia linda de morrer, direção de arte caprichada, elenco excelente (se bem que o protagonista…), até os maneirismos de câmera lenta e sangue aos litros ajudavam a entrar no clima.
Mas aí a série passou a ter problemas. Saíram o showrunner, alguns atores que discordaram das decisões criativas, e a segunda temporada enveredou por caminhos criativos questionáveis, que se distanciavam do livro. Seguimos fiéis, todavia, pois a fotografia continuava aquela coisa linda de se ver, a direção de arte também, e afinal de contas o que era ótimo deixou de ser ótimo para ficar… bom, então não abandonamos o navio. E a notícia de que Neil Gaiman passaria a ser um dos produtores do terceiro ano deu aquele gás, pois ele participou da produção de “Belas maldições” e todo mundo gostou de “Belas maldições”.
Quem dera que ter fé fosse o suficiente. A terceira temporada de “American Gods” foi ladeira abaixo, com uma trama que simplesmente não avançou dois limões após dez episódios. A guerra entre os deuses virou um “olha, a gente vai brigar, tá?”, mas que parecia o eterno “Winter is coming” que nunca chegava em “Game of thrones”. Muita falação, frases de efeito bregas, e só.
A série ainda perdeu com tramas que irritaram pela sua irrelevância, como a do Technical Boy, e mesmo a parte em que Shadow Moon chega a Lakeside, uma das poucas coisas interessantes, ficou perdida no meio de tantas irrelevâncias. O retorno de Laura Moon e a redenção de Bilquis foram poucas das coisas que realmente funcionaram nessa terceira temporada, em que os recursos da câmera lenta e os decalitros de sangue deixaram de ser interessantes para se tornarem exibicionismo enfadonho. E nada pior que um season finale tão besta, né, minha gente?
Dizem por aí que “American Gods” pode voltar com um telefilme ou minissérie para encerrar a história, seja pelo Starz ou algum outro canal. Se acontecer, espero que consigam consertar os inúmeros defeitos que fizeram uma das séries mais promissoras acabar se transformando numa gigantesca decepção.
Vida longa e próspera. E obrigado pelos peixes.
(E não custa lembrar: a playlist da coluna pode ser conferida no Spotify e também no Deezer. São mais de duas mil músicas para seu deleite, agora com My Bloody Valentine para animar a festa de quem gosta de dançar olhando para os próprios sapatos)