Oi, gente.
A soma dos catetos, mais o fato da porta da minha casa ser envernizada, faz com que o Universo Marvel seja mais interessante – pelo menos para mim – que o da DC Comics. Na média, os personagens da Casa das Ideias são mais “humanos” que o da Distinta Concorrência, “tridimensionais”, “profundos”, mil coisas. Mas quando o assunto é minisséries, seja no Universo tradicional ou nos alternativos, a DC dá uma bela surra na sua principal concorrente. A lista é extensa, e para economizarmos espaço vamos lembrar apenas de “Asilo Arkham”, “O Reino do Amanhã”, “O Cavaleiro das Trevas”, “O longo Dia das Bruxas” e “Grandes Astros: Superman”.
Quem também faz parte dessa lista é “Superman: Entre a Foice e o Martelo”, que a Panini relançou no final do mês de setembro (o primeiro após aquele do Cachorro Louco) como resultado de uma votação em sua página no Facebook, em que os fãs pediram fervorosamente uma reedição do clássico escrito por Mark Millar, o escocês autor de “Kingsman”, com arte de Dave Johnson e Kilian Plunkett.
(Momento digressão: essa mesma votação também fez com que a Panini republicasse dois títulos da Marvel muito cobrados pelos leitores, as minisséries “Elektra Assassina” e “Terra X”. A primeira é aquela clássica parceria entre Frank Miller e Bill Sienkiewicz, enquanto a segunda é a primeira de uma trilogia que ainda inclui “Universo X” e “Paraíso X” e que era esperada como a segunda vinda de Cristo. Do jeito que falam, espero que valha a pena ler as mais de mil páginas dos três tomos)
Digressão feita, voltemos ao tema da coluna. “Entre a Foice e o Martelo” é uma minissérie em três partes publicada em 2003 e concretização de uma ideia que Millar teve na década de 1970: o que aconteceria se o Superman, o maior herói da DC, fosse comunista? A história parte dessa premissa esperta e tem início na década de 1950, quando a União Soviética anuncia que tem um alienígena, um verdadeiro Superman, que é “o campeão do trabalhador comum que luta por Stalin, o socialismo e a expansão do Pacto de Varsóvia”. Ou seja, nada de “lutador pela verdade, justiça e o Modo de Via Americano”.
E como que isso aconteceu? O ano é 1938 (o mesmo da criação da primeira aparição do Super nos quadrinhos) e, ao invés de cair numa fazendo lá nos cafundós do Kansas e ser criado pela família Kent, a nave que trouxe Kal-El da moribunda Krypton despencou em nosso planeta cerca de 12 horas antes em uma fazendo na Ucrânia, então integrante da União Soviética. Ele é criado por uma família de fazendeiros e escondido do mundo pelo regime comunista, que o prepara para ser um campeão da URSS.
Essa pequena mudança de cenário muda toda a história que conhecemos, com os Estados Unidos perdendo a Guerra Fria para a União Soviética e se tornando uma nação praticamente marginal, pois com o passar dos anos quase todos países do mundo abraçam o socialismo (exceção dos EUA e do Chile), e o Superman utiliza seu poder – mais de persuasão que físico – para convencer todo o planeta a adotar a utopia comunista. O único antagonista do herói é Lex Luthor, que faz de tudo em nome do governo americano para tentar matar o alienígena.
Apesar de se mostrar como uma figura praticamente onipotente e onipresente, que provoca temor e intimidação, este Superman (quase) é o herói que conhecemos, impedindo desastres e salvando vidas ao redor do planeta. E este é um dos grandes achados do roteiro de Mark Millar, que consegue recriar toda a realidade da DC (incluindo participações do Batman, Lanterna Verde, Brainiac, Mulher-Maravilha etc.) sem esquecer da essência que faz do Superman o símbolo de esperança por um mundo melhor.
Como se não bastasse criar uma trama que segue num crescendo até chegar ao seu momento apoteótico, Millar ainda cria ao final de “Entre a Foice e o Martelo” um surpreendente loop infinito que faz a minissérie ter um caráter épico e filosófico impossível de imaginar quando começamos a ler a história.
Querer não queremos, mas é impossível não repetir aquele surrado clichê: se o seu plano é convencer um amigo-amiga-namorado-namorada-filho-filha-parente a ler quadrinhos, “Superman: Entre a Foice e o Martelo” é um título capaz de conquistar os mais céticos.
Vida longa e próspera. E obrigado pelos peixes.