Oi, gente.
Há coisas nessa vida que nos obrigam a temer pelo pior. Foi o que aconteceu quando a DC Comics anunciou que Frank Miller produziria um terceiro volume de “O Cavaleiro das Trevas”; afinal, a segunda minissérie escrita e desenhada pelo artista norte-americano foi uma enorme decepção e marcou o início do que muitos – inclusive este que vos escreve – consideram o início da decadência do artista. Nem o fato de a editora colocar algumas rédeas em Miller, que teve que dividir os roteiros com Brian Azzarello e entregar os desenhos para o talentoso e experiente Andy Kubert, ajudava a diminuir o desânimo; na verdade, só aumentava o temor de que o clássico de 1986 tivesse seu legado ainda mais diluído por sequências desnecessárias.
Confesso que não me animei no início, pois parecia que “DK3” (a sigla original em inglês) seguiria pelo mesmo rumo da sua antecessora, tendo como um dos elementos principais a cidade de Kandor, aquela que Brainiac encolheu até caber numa garrafa. Ledo e feliz engano: “O Cavaleiro das Trevas III – A Raça Superior” não tem o mesmo impacto da obra original, mas é muito superior a “DK2” e uma ótima história em quadrinhos, que consegue ir crescendo em dramaticidade e possui momentos realmente memoráveis, daqueles que nos lembram os melhores momentos de Frank Miller com o personagem.
A história em si parece girar em torno de algo maior: a ameaça dos fanáticos religiosos (sorry pelo pleonasmo mais uma vez) de Kandor, que convencem o Eléktron a restaurar-lhes seu tamanho original. Basta eles voltarem a ser gente do tamanho da gente para devastarem boa parte do planeta e exigirem que a humanidade os idolatre como seus novos deuses. Nessa parte – em especial o discurso do líder religioso Quar e o fato dele ter três esposas – a trama até resvala na já famosa islamofobia de Miller, mas o que importa em “DK3” é observar como o artista encara o papel do vigilantismo e a importância dos heróis para nosso mundo.
Por isso mesmo “O Cavaleiro das Trevas III” não se detém apenas em Batman, com espaços generosos para os outros integrantes da Trindade da DC Comics, o Superman e a Mulher-Maravilha, e também para a sucessora do Batman, a Batgirl, e Lara, a filha de Superman com a Mulher-Maravilha. Outros personagens, como o Flash, Lanterna Verde e Eléktron, também têm seu destaque, assim como a Comissária Yindel serve como o elemento humano que observa a batalha entre os seres superpoderosos que definem o nosso destino.
Como não poderia ser diferente, Frank Miller volta a mostrar sua visão sobre o Batman, que também não deixa de ser a que muitos de nós estamos acostumados a admirar. Ele é o herói que acredita piamente nos seus métodos, que não tem medo de utilizar os recursos à mão para alcançar seus objetivos, inteligente e corajoso o suficiente para encarar a batalha e utilizar os elementos a seu favor para reverter uma situação desfavorável. É o sujeito que que, se preciso, não tem pudores em utilizar a força bruta, e que a todo instante mostra gostar do que faz.
Por outro lado, o roteirista consegue enfim ser mais benevolente com o Superman, que foi retratado nas duas minisséries anteriores de forma caricata, ignorando sua visão sobre qual seria o papel de um super-herói. Isso permite não apenas que Clark Kent/Kal-El entenda a importância do Batman para o mundo, mas também que os dois consigam resolver suas diferenças de uma forma muito menos ácida. Já a Mulher-Maravilha parece, sob muitos aspectos, com o Batman, disposta a lutar até a morte em nome da justiça e liberdade. A união dos três, mais o Flash, Lanterna Verde e Eléktron – sem esquecer das breves aparições do Aquaman -, ainda que em tramas paralelas, faz com que “DK3” mais pareça uma boa história da Liga da Justiça do que uma minissérie dedicada exclusivamente ao Batman.
E não podemos esquecer da Batgirl e de Lara, que sob muitos aspectos aproximam “O Cavaleiro das Trevas III” de outra minissérie clássica da DC, “O Reino do Amanhã”. Enquanto a pupila de Bruce Wayne mostra-se disposta a seguir os passos do mentor e mantém uma crença fervorosa em sua forma de fazer justiça e proteger a humanidade, a herdeira de Kal-El e Diana mostra-se dividida entre sua herança kryptoniana e amazona, desprezando a visão de mundo dos pais e crente, a princípio, na superioridade dos filhos de Krypton sobre a humanidade.
Não se sabe o quanto a parceria com Brian Azzarello ajudou a segurar a pena de Frank Miller, mas “Cavaleiro das Trevas III – A Raça Superior” é um trabalho que surpreende pela qualidade da trama e das motivações dos personagens, colocando uma série de questões a serem refletidas pelos leitores. Se não é – e acredito que jamais poderia haver – uma continuação à altura do original, trata-se de um avanço e tanto em relação ao equívoco de “O Cavaleiro das Trevas II”. Acreditem, isso já é muito em se tratando do que vimos Frank Miller fazer na última década e meia.
Vida longa e próspera. E obrigado pelos peixes.
Epílogo:
A coluna entra recesso para as merecidas férias, retornaremos em setembro. Hasta la vista, baby.