Eu subia o Calçadão da São João para alcançar a Rio Branco, no meio da agitação de pessoas. Dia branco, do jeito que eu gosto. Não desviei da chuva fina que embaçava meus óculos, nem abri guarda-chuva. Gosto da sensação que aquele véu de água fina e fria, que parece cair em câmera lenta, causa na pele, quase um carinho. Aproveitava o percurso andando devagar, ouvindo música, na tentativa inconsciente de me isolar no meu microcosmo.
A ideia era a de desviar, de alguma forma, da movimentação em volta das lojas e das pessoas cheias de sacolas. Elas claramente tentavam tirar o melhor proveito das promoções de black friday. Como o dinheiro é pouco, ele precisa fazer muito. Afinal, o Natal está logo ali na frente. Se o tumulto de última hora puder ser evitado, e se ainda vier acompanhado de descontos, todo mundo sai no lucro. Pensamento mais do que justo. Mas como eu, particularmente, estava com a cabeça em outras coisas, não me envolvi muito.
Foi quando um adorável cão sem raça definida me fez parar. Ele cismou de brincar com um dos arcos de bolas amarelas e pretas, que emoldurava a entrada de uma loja. Ele pulava e batia as patas sobre as bexigas, estourando-as uma a uma. Recuava, dava uma volta sobre o próprio eixo do corpo, balançava o rabo, preparava outro ataque e saltava novamente sobre elas, com uma alegria que beirava a traquinagem infantil.
Vê-lo brincar era tão divertido que nem o funcionário do estabelecimento conseguiu implicar com o animal, vendo o trabalho ser destruído e deixando o cachorro se refestelar entre os balões.
Quando olhei para o lado, todos que passavam prestavam atenção na brincadeira do cachorro. Nesse caso, não dava para ficar indiferente. Enquanto as pessoas o rodeavam, uma voz começou a se destacar entre elas. De trás de um carrinho de recicláveis, um senhor bradava severo: “Neymar, pare com isso! Pare já! Isso não é educado! Para, Neymar!”. Tudo se deu tão rapidamente que ninguém conseguiu registrar o que se deu em foto ou vídeo.
O homônimo peludo do valioso jogador demonstrou a obediência e o comedimento que poucos atletas desse quilate ousariam adotar. Colocou seu rabo entre as pernas, baixou a cabeça e foi para o lado de seu dono, largando para trás a diversão em forma de pedaços de bexiga rasgados para serem recolhidos e descartados. O senhor ainda chegou a pedir desculpas ao atendente, pelo mau comportamento de seu pet. Acabou o milho, acabou a pipoca e o povo dispersou. De toda forma, quem testemunhou a habilidade do craque canino, levou um sorriso rápido no rosto. Alegria nas patas, deixe o pobre Neymar aproveitar!