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Baile de Favela

Jonne Roriz/COB

Foto: Jonne Roriz/COB

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É inevitável não ficar monotemático quando chegam as Olimpíadas. Os jogos começam a entrar na agenda da TV, do celular, das redes e das nossas emoções e pensamentos. De repente, até esportes que não nos acostumamos a acompanhar com frequência, como o badminton, passam a chamar muito a nossa atenção. Gosto de assistir as partidas para além do resultado final, o que acontece no entorno me interessa muito. Obviamente não deixo de passar aperto com sets de vôlei que são disputados ponto a ponto, nem com as provas de natação que são decididas na última braçada, ou os golpes rápidos e inesperados que surgem em um ‘golden point’ do judô.

É importante, no entanto, reparar nos gestos que estão além da comemoração de quem alcança o pódio. Quanto esforço, quanta luta e quanta renúncia estão implícitos na notícia de que alguém está classificado para participar da competição? Qual é o peso da responsabilidade de carregar a bandeira do seu país, ou do país que te abraça no peito, não só representando uma nação, mas também um modelo para toda uma geração? Como lidar com as próprias expectativas, diante de um evento que gera tanta ansiedade e coloca tanto esforço particular debaixo do escrutínio do mundo inteiro?

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Essas perguntas se tornam completamente desnecessárias, quando uma jovem de 13 anos, que ficou conhecida como ‘fadinha do skate’ voa alto. Quando Rayssa Leal se encontra dentro de uma competição duríssima, mas consegue um momento para se distrair com passos de dança e, algum tempo depois, usa palavras maduras e conscientes ao falar sobre a primeira medalha de prata conquistada no esporte que acaba de estrear nos jogos. O mais especial de vê-la na pista é perceber que ela estava feliz de participar daquele momento e aproveitou tudo o que podia da experiência. Assim como Margielyn Didal, que estava na mesma prova e, apesar de todos os tombos e erros que somou, não deixou de sorrir e viver aqueles instantes de confraternização. E também o atleta peruano Angelo Caro, que torceu e vibrou junto com o medalhista brasileiro Kelvin Hoefler, entendendo que aquela vitória também era dele de alguma forma. Prata sul-americana.

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Fico arrepiado quando ouço a mistura de Bach e MC João que ecoa pelo local de prova, enquanto Rebeca Andrade executa os exercícios do solo na competição de ginástica artística, o mesmo que acontecia quando o Brasileirinho de Daiane dos Santos capturava a atenção do mundo inteiro. Elza Soares foi precisa ao comentar a apresentação: “é a favela dando o baile no mundo”. Algo que me deixou especialmente tocado foi a forma como as ginastas da bateria dela se preocupavam em cumprimentar umas às outras ao final de cada uma das apresentações. A presença de Rebeca naquele espaço, com o nível de excelência com o qual desempenha tudo, é tão relevante, que é capaz de chamar, inclusive, a calorosa torcida de Simone Biles. Que, deixando o queixo do mundo caído, assistia da arquibancada e não na área de provas.

Aliás, Simone Biles merece um capítulo à parte. É preciso ter uma coragem absurda para entender os próprios limites, encarar as cobranças e expectativas do mundo e deixar a competição pela qual tanto trabalhou, em nome da própria saúde mental. O mundo continua lutando contra um vírus mortal, muitas pessoas, como ela, estão no limite. Por isso, e por outros significados, esse passo atrás é uma lição que vale muito. Essa atitude nos faz entender o que os comentaristas chamam de espírito olímpico. Assim como a arte, o esporte também ajuda a refletir sobre os nossos tempos.

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Os metais que são pendurados nos pescoços dos vencedores representam a finalidade de muitos – se não de todos-, porém, definitivamente, não são os únicos ganhos que vamos contar sobre os jogos. Percebemos das maneiras mais surpreendentes que, por trás de cada recorde e de cada pódio, há histórias, uma série de dificuldades, e não heróis feitos de puro aço.

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