Era dia de feira e o trajeto do ônibus foi alterado. Atravessei mais duas ruas e andei mais um trecho até chegar a um ponto improvisado, que só funciona em função da mudança. Lá havia uma senhora, com seu lenço em volta dos cabelos, segurando uma grande sacola e apoiada em seu carrinho de feira. Não quis incomodá-la, mas perguntei se o ônibus já tinha passado. Para o meu alívio, ela me disse que também estava aguardando. Começamos a prosear. Ela falava sobre como as pessoas hoje não têm mais disposição e se admiram com os esforços que ela faz sem perceber, por costume.
Por aqueles dias, ela tinha subido e descido nove lances de escadas, porque o elevador do lugar em que ela estava apresentou defeito. Sua filha lhe chamou a atenção, porque não ela não precisava fazer tanto esforço. A senhora, inclusive, tinha cogitado subir os morros até a casa dela a pé, com carrinho pesado, sacola e tudo mais, no entanto, mudou de ideia ao ser advertida por telefone. Empenho desnecessário, que não combinava com o calor que fazia.
O papo era natural, nada pedante ou inconveniente. Pelo contrário, o tempo restante até a chegada do ônibus foi leve e descontraído. Entramos no coletivo e, alguns morros íngremes depois, ela desceu. Cada um seguiu seu rumo e eu não sei o nome dela. Depois disso, durante uma entrevista, ouvi que estamos cada vez mais convidados ao isolamento e ao silêncio, o que não é natural, porque somos seres falantes e precisamos elaborar sobre as situações da vida, como bem lembrou o entrevistado.
Talvez, se eu estivesse com fones nos ouvidos, olhando para a tela do celular, ou se tivesse me fechado com os meus próprios pensamentos, essa rápida conversa não tivesse começado, o que eu lamentaria. A ideia grudou em minha cabeça e fui pensando em tudo o que nos leva a perder boas oportunidades de troca por aí. A pressa de chegar em algum lugar; o consumo de um volume cada vez maior e mais excessivo de conteúdo; o tempo que passamos olhando e interagindo com telas, ao passo que diminuímos a presença entre as pessoas; a mania de achar que os papos ou os momentos de ócio e lazer são perda de tempo ou improdutivos.
As interações são dificultadas pelo imperativo do tempo, como descreve lindamente a canção Sinal Fechado, de Paulinho da Viola, na qual os cruzamentos nos colocam diante de um grande desafio. Precisamos voltar a nossa atenção para o outro e despertar em nós mesmos esse senso de estar junto e compartilhar. Calar menos e aceitar os convites às conversas que podem nos encontrar em qualquer esquina. É preciso exercitar o estar presente, sem qualquer pretensão. Atender as ligações dos telefones de brinquedo que as crianças nos oferecem. Dar bom dia ao chegar em qualquer ambiente. Fazer um carinho naquele cachorrinho que se aproxima cheio de amor para dar. Se permitir participar de alguma troca, ainda que o assunto, à princípio, não pareça tão interessante. O exercício do encontro nos coloca diante da oportunidade de ganhar esses pequenos momentos. Mas, para isso, é preciso se deixar ficar um pouco mais, sem tanta pressa, cobrança ou atropelo.