As réguas foram companheiras por horas nas duas últimas semanas. Elas são aquele tipo de instrumento que você sabe que tem em casa, mas esquece que tem pela falta de uso e precisa virar a casa inteira para encontrar. Comecei a estudar desenho de perspectiva, e foi essa prática que me fez ver como eu estava enxergando tudo pela perspectiva errada. Meu professor pacientemente me mostrou o que havia de equivocado: achar que um ponto de fuga resolveria tudo.
Depois de entender onde estava o erro, fiz mais dois desenhos e gostei muito do resultado. Lidar com papel, lápis, canetas e tintas tem sido um alento grande em tempos tão difíceis. Conversando a respeito com uma amiga, comecei a perceber a melhora dos primeiros desenhos para os que faço agora. Embora saiba que ainda há muito a desenvolver pela frente, foi uma grande alegria. Senti como se fizesse algo pela criança que eu fui, que sempre quis aprender mais a respeito.
O ano todo senti que não havia clima para comemorar nada. Já batemos a lamentável marca de 170 mil mortos pela Covid-19, recebemos em choque imagens de episódios hediondos de racismo e de violência contra a mulher, vimos o estrago feito pelo fogo na Amazônia e no Cerrado, a população do Amapá ficar, literalmente, no escuro, fora inúmeros escândalos protagonizados pela classe política do país e os efeitos nefastos da crise econômica sobre as famílias. Embora a busca por destacar o que temos de melhor seja a meta, lançando luz sobre o afeto, a solidariedade e pequenas alegrias, os acontecimentos sombrios pesaram na maior parte do tempo.
No momento em que me peguei feliz com a minha pequena conquista, entendi que não deveria ignorar o sentimento, justamente em respeito à vida. Depois disso, fui fazendo uma lista de todas as pequenas coisas boas das quais me lembrei. Me agarro e volto a cada uma delas toda vez que sinto necessidade. Não fujo mais da alegria. Quando ela vem, em qualquer pequeno detalhe, eu a abraço com toda força. Aprender a celebrar e ter consciência de cada uma das nossas vitórias e de tudo o que temos de bom não significa desrespeitar as dores do outro, e muito menos ser insensível diante dos imensos problemas que temos para resolver.
Há pouco tempo ouvi uma comentarista citar que a esperança reside em saber que algo pode dar errado e, ainda assim, acreditar que, ao contrário, tudo pode dar certo. Valorizar o que nos faz bem faz parte desse processo, e tem feito tanta falta quanto as aglomerações.
A vida precisa, cada vez mais, ser celebrada. Ainda que não seja possível traçar nada grandiosamente bom e belo na linha do horizonte, é possível mudar o ponto de vista do observador, encontrando alguma outra possibilidade de composição com o que está bem perto de nós. O extraordinário surge quando conseguimos destacar alguma novidade no que é ordinário, mas ele não é percebido se não nos mantivermos abertos.