Eu testemunhei consciente um daqueles pequenos momentos mágicos, que deixamos escorregar pelas areias do tempo. Encontrei pela primeira vez, desde o início da pandemia, o filho de uma amiga, que nasceu um ano antes da emergência de saúde acometer o mundo. Fomos para a praça brincar. Tímido, ele enrolava os cachinhos louros com a ponta dos dedos e me olhava com um ar de desconfiança, próprio de quem ainda não sabe o que esperar da outra pessoa.
A brincadeira abriu caminho para criarmos ali uma proximidade. Uma bola foi o instrumento do diálogo que travamos. Ele era energia em estado puro, em quantidade suficiente para dar e vender. Eu, depois de uma manhã e início de tarde de trabalho, já estava um tanto quanto cansado, mas me esforcei para entrar na sintonia dele. Ganhar a confiança e, mais que isso, despertar nas crianças algum afeto é uma tarefa das mais desafiadoras. Quando conseguimos, é uma conquista valiosa. Era disso que eu estava em busca. Eu já era fã daquele carinha.
Mas o que ocorreu de encantamento foi a chegada de um garotinho, com uma outra bola. Bastou um chute, que chegou aos pés do filho da minha amiga, que outra se criou, imediatamente. Ele chutou a bola de volta, de primeira, sem ter que ajeitar nem nada. Coordenação motora invejável, que eu, em mais de três décadas de vida, ainda não consegui alcançar, nem pretendo.
Assim, sem trocar uma palavra, apenas na linguagem da brincadeira, eles se entenderam. Negociaram o tom do jogo e se divertiram juntos por um bom tempo. Adultos levam algum tempo para se abrir, fazer amizades depois de um tempo é um tanto quanto mais difícil. Não nos deixamos levar por essa espontaneidade, que vibra nos pequenos. Precisamos manter uma postura meio distante, porque tudo é perigoso, tudo é arriscado.
Fiquei com essa sensação na cabeça. Até que li uma frase de uma postagem na internet, que dizia mais ou menos assim: ‘toda vez que abro um sabonete novo, é uma sensação de renovação, quase um pequeno Réveillon’. Acho que um novo réveillon, para mim tem a cara desse momento: reconhecer algo no outro e torná-lo próximo pelo simples fato de dividir uma fração do presente. Como quando abraçamos alguém que está ao nosso lado no Réveillon, um gesto automático. A celebração da vida pela vida, apenas, nada além. Imagino que a sensação seja diferente para cada um, mas eu entendi o que ele disse, assim que me lembrei dessa vivência. São as crianças, sempre as crianças, despertando o que tem de mais genuíno nas nossas vistas, tão acostumadas ao cotidiano.