Todos os dias citamos a saudade de poder ir para a rua. Nos pegamos desejando estar em lugares que acessamos com a memória. Espaços que faziam parte do nosso cotidiano há cerca de quatro meses. Parece contraditório, no entanto, quando alguma situação nos obriga a furar a quarentena, para resolver algo que não tenha como resolver de casa, e a coisa muda de figura.
É o momento em que bate o medo de estar lá fora. O sentimento de insegurança por não ter o controle sobre as situações. Não seria exagero dizer, em acréscimo, que todos esses sentimentos acabam provocando preocupação em excesso. Higienizamos as mãos mais de uma dezena de vezes antes de sair de casa, sem perceber. Máscara no rosto, outra guardada para trocar, porque essa é a recomendação. Garrafinha de álcool do lado. Antes de sair nos benzemos e vamos com fé. Fazemos o que precisamos fazer, com medo mesmo.
Quando estamos no caminho de volta, paramos no sinal da Rio Branco em direção à ponte do Manoel Honório. Um jovem rapaz se destaca na fila de carros, que não é mais tão numerosa quanto antes. Ele saca um cordel, com uma vara em cada ponta, e um diabolô. Seus movimentos são precisos. De longe se vê que não era um treino ou algo parecido. Ele aplica vigor e rapidez em alguns gestos e, entre eles, há algumas posições mais suaves. Sua apresentação é uma série bem coordenada. Pelo menos para o público leigo, parece ser algo muito pensado, sem improvisos.
A apresentação toma ares mais formais, quando reparo no rapaz além dos gestos. O sol da tarde castiga nossas testas. Ele, exposto diretamente ao sol, se veste de maneira solene e parece não se incomodar com o calor. Camisa social escura com colete xadrez. Tudo bem asseado. Acredito que, assim como eu, que naquele momento tinha esquecido de qualquer outra coisa e tentava acompanhar os movimentos rápidos do aparelho, as pessoas paradas no sinal também eram levadas a outros lugares.
O jovem artista, com seus longos cabelos cacheados presos, termina a sequência em outro cenário. Na imaginação, podia ser um palco, ou um picadeiro. Ali, no meio da rua, há um bocado daquela magia, que me transporta direto para outros espaços, onde normalmente a encontramos. A arte, como muito bem lembrou Teresa Cristina, em uma de suas últimas lives, está salvando vidas. Mais do que nunca, ela precisa ser valorizada e reconhecida pela fundamental relevância que possui.
Quando ele termina sua apresentação, sem que fosse preciso combinar, eu e meus pais, no carro, aplaudimos o curto espetáculo. Ele retribui a todos com o gesto de baixar a cabeça e o corpo, que costumamos ver, frequentemente, nos palcos. Quando olho de relance para o lado, os passageiros de outros carros também estão aplaudindo.
O sinal abre para a passagem dos automóveis antes que ele pudesse passar o chapéu. Mas torço, com todas as forças, para que muitos contribuam com algum valor. Também desejo que ele alcance o reconhecimento que merece. Que todos os nossos artistas alcancem e consigam viver dignamente do seu trabalho.