Mentiria para mim mesmo se em algum momento negasse que, por vezes, segurei com todas as forças a vontade de ser verborrágico, de explodir, de derramar meu descontentamento e minhas chateações diante de quem os provocou. Agora sei que o que faltou não foi coragem, como eu supus por anos a fio.
Vi que as palavras engolidas por muito tempo são extremamente afiadas. Elas pretendem ferir quem quer que elas atinjam. Percebi ao longo da vida que odeio machucar as outras pessoas. Passei a segurar as palavras pelo corte e não recomendo. Degluti sem mastigar as palavras ruins e cultivei uma pequena úlcera.
Para minha sorte, o problema ainda não se tornou crônico. É que o corpo tem uma inteligência fora do comum. Levamos o desconforto à tira colo e nos acostumamos com ele, para evitar provocar conflitos. Para nos poupar dos estresses, para não termos que gastar energia com discussões que, na nossa mente, só poderiam terminar em bate-boca, nos calamos e fingimos que está tudo bem. Por dentro, as lâminas cortam sem dó toda a carne que encontram.
Nada é por acaso. Entendemos que para não sobrecarregar o outro, somos capazes de lidar com tudo o que vier, por pior que seja. Que temos sempre que estar disponíveis, mesmo que não exista reciprocidade. Precisamos agradar o outro sempre, não podemos nos negar a fazer algo sem uma justificativa plausível e que, acima de tudo, não devemos decepcionar ou desagradar as pessoas. Em nome disso, aceitamos que o natural é vivermos mergulhados no desconforto.
Essa sensação se acumula. Forma uma montanha interna cheia de grandes picos instáveis, que podem desmoronar e causar ondas gigantescas, absolutamente destrutivas. A água que cura também é terreno insondável. Se a barragem estoura, não se preocupa em preservar o que vê pela frente. Apenas segue seu curso furioso, dando vazão ao acúmulo de tensões.
Até que em um belo dia, você finalmente entende o mal que o seu silêncio te causou. É difícil lidar com esse sentimento. Mais difícil ainda é entender a necessidade de se posicionar diante do que te machuca, ainda que isso signifique causar incômodo a outro indivíduo. Causa estranhamento quando expomos a nossa insatisfação ou somos sinceros, mesmo depois de um longo período de silêncio e ainda que façamos opção por usar palavras cuidadosas.
Porém, depois que os olhos estão abertos para o que se passa lá dentro, é praticamente impossível deixar de ver. O que vem depois disso é uma nova versão. O processo é constante, delicado, e dói, como o amadurecer obriga. Essa situação nos a ajuda a tornar os danos menores, ainda que seja preciso entrar em rota de colisão às vezes. Com isso, descobri que a raiva não é má conselheira, como eu considerava. Hoje me sento com ela e me esforço para compreender o que ela diz. Contudo, não sinto que esteja mais disposto a engolir a seco o que me faz mal. Não significa deixar a empatia de lado, pelo contrário, é saber que não é preciso se machucar para que outra pessoa se sinta bem.