É preciso parafrasear Cartola quando estamos diante de algo tão importante: a vacina chegou. Com ela, “volta a bater, com esperanças o meu coração”. Confesso que apostava que demoraria mais. O contexto é nada favorável. Mas de repente, contrariando qualquer previsão negativa que pudéssemos fazer, a imagem da primeira brasileira imunizada chega por meio de todos os canais possíveis, e o inevitável cisco nos olhos chegou junto.
Nossa geração coleciona imagens emblemáticas. O movimento dos caras pintadas, dois impeachments, a queda das torres gêmeas, o tsunami, a tragédia de Brumadinho, e nem vou me estender muito, porque teria que lançar mão do jornal inteiro para listar a quantidade eventos. Nesse quadro, a imagem da enfermeira Mônica Calazans se torna um marco de alento.
Por meio dela, pudemos ver que sobrevivemos a quase um ano de pandemia. Que estamos mais próximos do fim do que do começo, embora os índices de mortes e infecções permaneçam em patamares assombrosos. É uma fagulha de esperança que se acende, depois de os olhos ficarem por muito tempo sem conseguir ver luz alguma ao redor. É perceber que vamos esperar por mais algum tempo, mas a hora de respirar com maior sensação de alívio vai chegar.
O cansaço não dá uma trégua. As situações difíceis continuam nos atingindo. Dia desses, bati o olho em uma manchete e fiquei aborrecido. Uma senhora, moradora de um asilo, se recusou a receber a vacina. Para mim, que anseio tanto receber o imunizante, parecia um enorme contrassenso. Quis entender o motivo da recusa e recebi um bom tapa de luva de pelica. Mais uma lição para a lista de coisas que fui obrigado a aprender com o período.
Aos 109 anos, Dona Hilda, disse que preferia deixar a vacina para alguém mais jovem. Seu gesto não estava ligado à negação da ciência, como presumi. Ela afirmava que já viveu muito, não era por medo de injeção, ou qualquer outra coisa. Era por generosidade. Por mais que a imunização de Hilda seja importante não só para ela, mas para todas as pessoas que convivem com ela, não tem como não ficar tocado pela preocupação que ela tem com o outro.
A moral da história é que está na hora de tentar substituir o ‘não aguento mais’ pelo ‘calma, está quase no fim’, como Mônica, Hilda e a minha amiga Rafaela, de alguma forma me ensinaram. Buscar não julgar as pessoas pela manchete, agradecer pela resiliência dos pesquisadores, pelos esforços de profissionais da linha de frente, ser grato pela sobrevivência e respirar fundo até que seja a nossa vez de entrar na fila.