Algumas cenas que flagramos em nosso cotidiano costumam marcar o dia, a semana e ficar rondando os pensamentos até por tempo mais longo. Ligam-se facilmente às nossas lembranças e também a assuntos que despertam e tocam a sensibilidade. Como outro dia, quando uma das minhas amigas mais próximas falava sobre algo que presenciou no caminho para o trabalho.
Ela viu um moço dando R$ 10 para uma mulher idosa, que estava pedindo dinheiro para comprar comida na parada do semáforo. Ela contou que ficou emocionada com o gesto. As palavras dela geraram uma comoção em mim. O rapaz tinha condições de fazer algo pela senhora. Ao invés de dizer não, julgar, ou dar apenas algumas moedas, o rapaz decidiu oferecer uma quantia que ajudaria ela a chegar em seu objetivo de maneira mais rápida.
Parece simples e, na visão de outras pessoas, pode até parecer pouco. No entanto, são esses gestos que vemos, que nos fazem questionar as nossas condutas, repensar a nossa forma de ver o outro.
Ouvi, em uma entrevista há alguns dias, uma história que me levou às lágrimas. A pessoa falava sobre as questões de vulnerabilidades profundas que encontrou no trabalho voluntário que realiza. Acontece quando a necessidade vai muito além do que podemos oferecer ou fazer. É duro ver uma dificuldade e sentir-se impotente diante dela. É preciso muito mais que solidariedade para que as muitas faltas que identificamos na nossa sociedade sejam enfrentadas. Mas esse não é o ponto que gostaria de alcançar hoje.
Toda vez que estou diante de um relato sincero como esse, a primeira coisa que penso depois de saber o que aconteceu e como está a pessoa em vulnerabilidade, e em como a pessoa que conta é afetada pelo que viveu. Me deixa mal saber que há tanta gente passando por situações de completa escassez e que, muitas vezes, eu não tenho como fazer muito para colaborar, particularmente. Mas, ao mesmo tempo, eu fico profundamente grato por perceber que as pessoas que estão ao meu lado não desviam seus olhares dessas situações. Que, assim como eu, elas se incomodam, sentem, fazem o que estão dentro das suas possibilidades e mudariam essas realidades se tivessem como fazê-lo.
Pessoas que não negam a escuta quando podem oferecê-la, que indicam vagas de trabalho quando percebem que alguém próximo se encaixa nos critérios, fazem o que é possível para cuidar de quem está do lado, sendo conhecido ou anônimo como aquela senhora que o moço ajudou lá no início.
Torço para que tenhamos cada vez mais pessoas que se doem pela dor dos outros, que são capazes de mudar o rumo do dia quando se deparam com atos pequenos de generosidade e compaixão. Precisamos de muito mais para transformar o mundo, é óbvio, mas considero um bom começo abrirmos o campo de visão para o que costuma estar na periferia do olhar. Nesse momento, vejo que o dito popular atua dos dois lados. O “diga-me com quem andas e te direi quem tu és”, não carrega só o sentido negativo da cobrança e do julgamento, também pode nos fazer reconhecer que temos pessoas muito especiais caminhando junto conosco.