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Envelheço na cidade

Bolos
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Tenho muitos amigos que levam o dia de seus aniversários muito a sério. Gostam de fazer festa, não deixam faltar bolo, guaraná, vela, ligações, mensagens e tudo o que têm direito. Longe de mim dizer que estão errados. Ser lembrado é um afago para a alma, e não tem mesmo dia mais propício para isso.

Alguns chegam a listar até mesmo quem se esqueceu da data, um pequeno sentimento de rancor de quem costuma cultivar expectativas muito altas. Se alguém esquecer de chamar para a comemoração, então, mesmo que não sejam tão próximos, fica aquele baita climão. Mas a vida inteira me disseram que os aniversariantes não devem ser contrariados no seu dia. Tudo certo, tenho nada com isso. Nasci no dia da universalidade. Talvez, por isso, prefira ficar no meu canto, procurando não chatear ninguém.

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Passei a ter uma relação muito esquisita com os meus aniversários depois da infância. Como mudo de idade próximo de um feriado e em período de férias, meus amigos mais próximos não ficavam na cidade. Eles aproveitavam, com razão, roças, mares, piscinas e casas de vó. Mesmo assim, os mais próximos nunca faltaram, assim como também sempre sou lembrado por meus familiares. Pequeno, me chateava um pouco com a falta dos meus pares. Mas o amadurecimento me trouxe outra postura. Hoje não me incomodo mais com isso.

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As ausências que eu sentia foram dando lugar a muitas presenças importantes. Ainda me emociono quando minha mãe me acorda cantando o surrado ‘Parabéns a você’, que eu descobri recentemente que ainda rende muitos royalties e de surrado mesmo, não tem nada. Também me toca o carinho do meu pai, que sempre me pergunta o que eu tenho vontade de comer e faz qualquer pedido se tornar algo maravilhoso. Grandes comemorações ficaram restritas aos meus sonhos infantis. Sinceramente, não saberia lidar com isso hoje em dia.

A realidade agora é bem outra: Eu fujo!

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Adoro comemorar o aniversário das pessoas que eu amo, mas travo na hora do meu. É uma função que me deixa completamente desnorteado. Quando se é adulto e se tem contato com vários grupos diferentes de amigos, fica mais difícil organizar algo que atenda a todo mundo, ou que não vá gerar alguma dor de cabeça no final.

A casa já ficou pequena para isso há muito tempo. O dinheiro é sempre curto e a paciência é menor ainda. Fora que ser o centro das atenções nunca foi meu forte. Nesses momentos, “cara de parabéns” me resume bem. Não saber o que fazer com as mãos, não saber se sorrio ou se falo alguma coisa. Aquele desconforto de não ter para onde correr, porque todos estão ali, em tese, para te comemorar. Esperam que você fique feliz, que se emocione, prestam atenção em todas as suas reações.

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Apesar de sentir certa dificuldade em lidar com a data, no entanto, preciso reconhecer que, nesse mundo louco, faz cada vez mais sentido comemorar mais um ano de sobrevivência. O que já é uma vitória e tanto, eu diria. Porém, ainda não consigo fingir costume.

A única coisa da qual eu não corro nessa data é de abraços. Não há bem querer que não possa ser expresso dessa forma. Curto cada um deles: dos mais rápidos aos mais apertados. Também não fujo daqueles desejos batidíssimos, mas também sinceros, queridos, fundamentais para que a gente se sinta acolhido. Também me sinto muito honrado quando alguém se lembra de rezar por mim, ou de algo que tenhamos compartilhado ao longo da vida. Isso tudo me faz sentir presenteado.
Enquanto me divido entre desconfortos e amores causados pela nova idade, ouço o Ira tocar mentalmente, na letra que resume a confusão, dizendo que, ‘enquanto envelheço na cidade, sigo sem saber o que fazer’.

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