Não é novidade que futebol não é meu forte. Nunca aprendi a jogar, também nunca aprendi a torcer. Embora muita gente tenha tentado me ajudar nessa seara, minha atenção sempre foi de muitos outros assuntos. Acontece, não há muito o que fazer quanto a isso. Esse ano, mais uma vez, o futebol foi capaz de provocar os sentimentos mais fortes nas pessoas ao meu redor. Cercado por amigos e familiares flamenguistas, minha bolha foi pintada de rubro e negro, em boa parte do tempo. Já gastaram saliva tentando me explicar o que o envolvimento com o time significa, mas por mais que eu me esforce e tente me colocar no lugar delas, sei que nunca vou conseguir provar esse sentimento.
A relação foi ganhando corpo. No sábado, dia 23 de novembro, enquanto Gabigol, com dois gols quase no fim do jogo, transformou a tensão de uma torcida gigantesca em uma euforia insana, estava atravessando a cidade em direção ao aniversário de uma amiga querida. Na saída de casa, já depois do jogo, senti a extensão da coisa. O ônibus estava atrasado cerca de 15 minutos. Quando ele parou no ponto e a porta do coletivo se abriu, o motorista, orgulhosíssimo, estava vestido com a camisa do time. Dali, a viagem seguiu com buzinaços a cada parada em semáforo. Em vários pontos, grupos de torcedores se concentravam e gritavam, faziam dancinhas, se cumprimentavam.
Quando desci do coletivo na Getúlio Vargas e subi a Halfeld, várias pessoas faziam festa no Calçadão. Tomei um susto quando um flamenguista se destacou, estourando um rojão perto de onde eu estava. Logo ele atravessou e pegou a ponta de uma faixa que exaltava o feito do clube, na travessia de pedestres da Rio Branco, exibindo com alegria sua mensagem aos carros parados.
Depois disso, no domingo, a confirmação do título no Brasileirão. O bairro, novamente, foi invadido pelos estouros dos rojões. Na segunda-feira, vi que pelo menos uns cinco amigos platinaram seus cabelos, em homenagem a Gabigol. Teve amigo que cumpriu promessa e teve que ir à missa, depois de muito tempo afastado da igreja; teve a fisioterapeuta do pilates andando com o uniforme do time embaixo do jaleco, esticando a pontinha dele, sempre que tinha oportunidade. Também teve o mestre que ensinou que com o Flamengo não há sentimento de derrota. Mesmo nos minutos finais de jogo, há chance. Então, não seria opção não acreditar, resposta que eu recebi quando, inadvertidamente, questionei a ele se estava preparado para qualquer resultado possível. Em algumas conversas que tive nesse processo, torcedores de outros times admitiram, em segredo, que não tinha como bater o Rubro-Negro com a campanha desse ano.
Nas ruas da cidade, vários comerciantes ambulantes ainda aproveitam a final do Mundial para tentar fazer uma grana, vendendo bandeiras, bonecos e outros acessórios. Sinto que já de alma lavada, após a conquista da Libertadores e do Brasileirão, parte dos meus amigos escondem a grande expectativa que sentem atrás de um ‘o que vier agora é lucro’. Outros já dão como certo o quarto título do ano. Juro que sigo sem entender muito bem. Mas aprendi a respeitar esse sentimento. Não sinto inveja, nem nada parecido. Fico feliz porque pelo menos um grande grupo de brasileiros, nesse ano confuso e intenso, tem algo que traga profunda alegria para comemorar. Ano que vem, a luta começa outra vez, e a minha torcida é para que tudo fique em paz.