Ícone do site Tribuna de Minas

Dicionário

Dicionário
PUBLICIDADE

O dicionário de casa, de tão usado que foi, se resume a um corpo de páginas amareladas, que coleciona orelhas nos cantos. A capa dura que o envolvia ficou perdida em algum ponto no espaço e do tempo. Dia desses, durante uma breve faxina, ele caiu da estante, me fazendo abaixar o corpo para resgatá-lo. Impossível não passar algumas folhas e dar uma olhada em palavras ao acaso.

Esse dicionário foi o segundo que tivemos em casa. Foi fruto de uma promoção de jornal: “junte tantos selos e troque por uma bela edição”. O primeiro, lembro bem, tinha a capa dura preta, com um “A” roxo embaixo do nome. Menos páginas, menos palavras. O segundo tinha quase o dobro do volume de páginas, sua capa era amarela e azul. Peguei-me pensando em qual foi o momento em que paramos de recorrer aos dicionários físicos e começamos a procurar os significados das palavras on-line.

PUBLICIDADE

Embora não esteja atualizado com o novo acordo ortográfico, continua sendo uma boa fonte de pesquisa. Quando aprendi a falar ‘inconstitucionalissimamente’, na época em que as crianças são incentivadas a falar as palavras que enrolam a língua de qualquer falante, foi nas páginas dele que busquei entender o que estava tentando decorar.

PUBLICIDADE

A aba do navegador de internet aberta no dicionário faz parte do dia a dia de quem trabalha com as palavras. Ninguém sabe tudo e, vez ou outra, com a cabeça imersa em algum tema, a palavra certa foge, o significado se perde e não há outra alternativa: só o dicionário salva. Digita-se algo e, imediatamente, o resultado pipoca na tela do computador ou do celular. A pesquisa tátil, de passar página por página, seguir as colunas, buscar por um vocábulo e, em seguida, tentar encontrar termos relacionados para complementar o que se precisa entender, ficou mais distante.

Quando estava com preguiça de pegar o dicionário, apelava para a memória da minha mãe. Ela lia muito e ajudava sempre com calma. Quando era algo muito difícil de explicar, o conselho era levantar e pegar o dicionário.

PUBLICIDADE

Dia desses, em uma conversa com uma amiga, ouvi que ela sente saudade das enciclopédias, nas quais muitos buscavam informações para os trabalhos da escola. Para quem tinha um pouco mais de condições, os vários livros da coleção, que geralmente ocupavam estantes, serviam para que tomássemos contato com uma curta biografia de personagens históricos, uma fórmula química, dados sobre o universo, informações sobre culturas de outros territórios, uma infinidade de temas. Investíamos tempo, atenção nas buscas. Quando encontrávamos algo, escrevíamos pequenos resumos, para depois organizar tudo conforme a atividade pedia. Acho que a palavra certa, nesse caso, era envolvimento.

O óbvio também precisa ser dito. A internet dinamizou as buscas, trouxe conhecimento em várias plataformas, canais e formatos. Abriu uma janela para que o caminho para o conhecimento se torne mais ágil. Inclusive, permitindo a cópia de textos e imagens sem muito trabalho. Os avanços são de encher os olhos. Poucos anos e um acesso absurdo, embora ainda não seja, nem de longe, universal. Em tempos de pandemia, a tecnologia, inclusive, possibilitou que o ensino remoto pudesse contribuir, em alguma medida, para a continuidade do aprendizado e a formação de parte da população.

PUBLICIDADE

Nos acostumamos com as facilidades oferecidas pelos dispositivos eletrônicos. Construímos nossas rotinas em torno deles e, de certa forma, também nos tornamos reféns. No entanto, também conseguimos medir o quanto o conhecimento anterior foi uma ponte para que pudéssemos nos habituar de maneira tão rápida, em uma transição que, embora tenha seus percalços, avança sem grande estranhamento. Bom é ser lembrado de que, se algo não funcionar como deveria, o dicionário permanece na estante, ao alcance das mãos.

Sair da versão mobile