O dia seguia normal. Muito calor, gotas de suor se formando na testa, uma sensação de que poderia chover a qualquer momento. Os afazeres de casa não dão trégua. Havia louça para lavar, cômodos para varrer, roupa para tirar do varal. Todos os dias o que está pendente grita na nossa cara, enquanto a falta de ânimo, por vezes, nos puxa para o outro lado.
Aqui em casa, usamos a música sempre que é preciso executar alguma tarefa. Se falta determinação para enfrentar o serviço, ela ajuda a levar a cabeça para outro lugar. Estava cantando junto com uma gravação de Maria Bethânia e Zeca Pagodinho, ajeitando as coisas na cozinha, quando meu pai passou por mim apressado. Era dia da coleta de lixo passar no bairro, e estava em cima da hora de o caminhão passar. Recolhemos tudo e meu pai desceu com uma caixa de papelão até um monte de sacolas reunidas por um funcionário do Demlurb no canto da rua. Para isso, precisou atravessar a rua.
Horário de pico e pouca consideração. Meu pai ficou um bom tempo parado esperando a boa vontade alheia para seguir até o outro lado da via. Conseguiu. Deixou a caixa e se preparava para fazer o caminho inverso. Novamente, ficou agarrado. Olhou para o lado e viu que havia capim gordura por perto. A criança que habita o coração dele não resistiu. Quebrou uma das folhas, entrelaçou duas pontas entre os dedos e puxou o centro delas para cima com rapidez, algo que ensinou para mim e para meu irmão quando pequenos. O gesto lança parte da folha para cima, fazendo com que ela alcance uma altura razoável e dance pelo ar, até repousar no solo novamente.
Ele se entreteve com a brincadeira e não percebeu que uma das folhas de capim gordura que jogou para o alto encostou em um ciclista, que levou susto, xingou meu pai e foi embora. Meu pai começou a ouvir palmas e quando olhou para frente, duas vizinhas estavam aplaudindo a traquinagem dele. “Só uma brincadeira assim para nos fazer sorrir. Queria ser igual a você. Amanhã tem mais?”, gritou uma delas.
A conexão com o que permanece de infantil dentro de nós ao longo da vida também ajuda a ver as coisas por outro prisma. Se falta cor, se falta graça, uma molecagem simples tem o poder de nos tirar do automático, causar um sorriso espontâneo e mudar o clima de um dia, impedindo que ele passasse em branco, como muitos outros. Meu pai me ensina, todos os dias, que as coisas podem estar difíceis, contudo, se fizermos uma brincadeira aqui, outra acolá, elas ficam um pouco mais leves e, por isso, mais fáceis de levar.