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Amar as pessoas, usar as coisas

e logo ali renan coluna
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Passando em frente a televisão, ouvi uma fala do Chorão, vocalista do Charlie Brown Júnior, que era algo como: “nós temos que amar as pessoas e usar as coisas”. Imaginei uma crítica ao consumismo exacerbado e à falta de apreço pelas pessoas. Não me recordo ao certo qual era a ordem, ou os termos, mas a ideia expressa era essa. Soou como uma frase clichê em um primeiro momento, daquelas que são ditas quando estamos em discussões com alguma lição envolvida. Depois, ela grudou na cabeça e ainda não saiu de lá.

Passei a elaborar sobre essa relação e sobre exemplos que ilustrassem de alguma forma aquilo que ele falou. A vida, no entanto, gosta de pregar umas peças em quem, como eu, adora tentar inventar significados para o que vê.

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O computador de casa deu uma pane daquelas que ninguém consegue explicar o porquê, e na hora mais inoportuna possível. Mas como bem diz minha mãe, apelando para o dito popular, “quem tem madrinha/padrinho, não morre pagão”, tia Lucia veio em meu socorro e, se hoje você lê esse texto, é por causa dela, que emprestou um computador enquanto o problema não é solucionado.

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Agradecimentos à parte, o aparelho chegou às minhas mãos guardado em uma bonita sacola de pano. Na pressa, não consegui reparar nela em detalhes. Tratei de ligar a máquina e me concentrar no trabalho a fazer. Fiquei o dia todo em frente ao computador, e a sacola continuava atrás dele.
Depois de finalizar todas as tarefas do dia, minha mãe me chamou para conversar. Pediu-me para tirar a sacola do alcance das vistas dela. Ela explicou que a bisa Mercedes tinha uma exatamente igual, a qual levava para todo lugar que ia. A presença dela ali, sobre a mesa da cozinha, onde passei a maior parte do tempo, tocou em um lugar sensível da lembrança dela e, acredito eu, causou alguma comoção.

Imediatamente guardei a sacola em um lugar em que ela não provocasse a memória dela. É bom evitar o desconforto. Ao mesmo tempo, quando contei para tia Lucia no telefone, rimos com a coincidência, porque não tínhamos como imaginar que a sacola pudesse afetar tanto. Meu pai também comentou que a sacola lembrava a bisa. No caso da tia Lucia, havia outra lembrança envolvida, outra pessoa que também já foi encantada – tenho paixão com essa expressão, diga-se de passagem – a irmã dela. Essa segunda reação ao objeto, no entanto, foi completamente diferente.

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Chorão estava certo, não há dúvidas quanto a isso. Mas acho que eu tenho algo a acrescentar a essa expressão. Há objetos que carregam mais do que a sua própria funcionalidade. Eles também são capazes de despertar ideias e sensações, nos ligam a passagens importantes da nossa própria história, nos remetem às nossas dores e às nossas alegrias. Se tornam uma forma de acessar memórias, de expressar as nossas emoções, de transmitir, pela sua presença, algo que é importante para nós.

Porém, se conseguimos atribuir algum significado ao objeto que vá além da finalidade que ele carrega, só reforça a imprescindibilidade dos vínculos que construímos com quem está ao nosso redor. Essa presença que se perpetua por meio das coisas pode até assumir um valor diferente, dependendo de quem olha para a sacola, mas não deixa, no entanto, de reforçar o quanto é importante valorizar o convívio com quem está ao nosso redor. Amar e dar um novo significado às coisas, alterando um pouco o que Belchior cantou, me interessa mais.

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