Apertei os olhos para enxergar o letreiro do ônibus. Depois de mais de 20 minutos de espera, finalmente era o meu. Carregava algumas sacolas, algumas com itens mais frágeis. Agradeci mentalmente por uma outra pessoa ter feito sinal. Embarquei, mas não havia banco algum desocupado. Atravessei todo o coletivo e me posicionei próximo à porta de descida, onde, em um vão entre bancos, conseguia apoiar uma das maiores sacolas, que atrapalharia a passagem, caso tivesse que segurá-la em outro ponto do ônibus. Mania que criei de me esforçar para diminuir o incômodo que causo aos outros.
Depois de alocado, segurei nas barras e segui me equilibrando com certa tranquilidade. Comecei a prestar atenção no entorno. O ônibus tem um microssistema de vida que sempre foi um espaço de observação para mim. Em um dos bancos, uma senhora com uma marmitex na mão fazia uma refeição completa. Ela conseguia fazer algo que eu, desastrado por natureza, certamente não conseguiria: enquanto garfava os alimentos, tinha um copo de refrigerante perfeitamente equilibrado sobre as pernas, sem derramar uma gota sequer.
Fiquei pensando em como ela deveria estar com fome, no que fez ela aproveitar o tempo que passaria no coletivo para fazer a refeição, ao passo que torcia para que ela não se machucasse com a trepidação do veículo. Com maestria, ela terminou a refeição. Senti vontade sincera de aplaudir aquela mulher.
Depois que ela terminou, comecei a ouvir a conversa de dois jovens. Um deles planejava assistir ao jogo do Flamengo no Maracanã. Torcida é algo que realmente mexe profundamente com o coração das pessoas. O rapaz contava que havia comprado tudo com antecedência, se preparou, ia com camisa nova e tudo, mas estava preocupado porque a pessoa com quem negociou os ingressos dava sinais de que não entregaria o bilhete a tempo. Ele pensava em outras alternativas para não perder a partida. Ficar de fora não era uma opção para ele.
Os dois usavam gírias com as quais eu não tinha qualquer familiaridade. Interessante que, algumas, eu nem entendia em que sentido eles usavam. Realmente, estou desatualizado nas conversas. Um deles desceu, e o assunto acabou. Por fim, um banco vagou e sentei do lado de um senhor que se declarava para uma mulher ao telefone. Ele falava alto dos planos que fazia para os dois. Do quanto pretendia se dedicar àquela relação. Por um momento, reclamou que ela não estava entendendo o que ele dizia.
Ele também combinava com a amada a venda de um imóvel. Ele parecia estar engajado na tarefa de concluir o negócio. Virou a esquina, eu puxei a cordinha e saltei. Torcendo pelas histórias de amor: com a mulher e com o time. Ainda admirado com o equilíbrio da passageira que concluiu a refeição no coletivo.
Um microssistema que, muito provavelmente, não vai se repetir. Um enredo completo com final em aberto. É possível que eu não reconheça as pessoas, caso esbarre com elas novamente. A única coisa da qual eu tenho certeza é a de que o garoto flamenguista essa semana viveu uma alegria, estivesse ele dentro ou fora do Maracanã.