Passei o olho correndo pela mesa de trabalho e não notei aquele pequeno pedaço de papel amarelo de primeira. Toquei a vida, com as atividades que já estavam acumuladas e aquele pequeno recado foi ficando para depois. A rotina, às vezes, engole as sutilezas mais saborosas e importantes. Dia desses, uma amiga me deu um bombom. Eu agradeci e fiquei muito feliz na hora, mas ao invés de viver aquele momento até o fim – desembrulhando e saboreando o chocolate, como deveria ter feito -, guardei-o para depois. Era preciso seguir em frente e concluir as muitas tarefas do dia. O prazer de viver aquela alegria poderia esperar, eu concluí, equivocadamente.
Mora nesse instante o perigo. Não me dei conta, mas pensado depois, fiquei horrorizado. Me lembrei de outras pequenas coisas que fui deixando para ver e sentir depois, ao longo da semana. Veio na mente as horas de sono que deixei de dormir, porque era preciso acordar mais cedo para dar conta; a ligação que eu não fiz, porque tinha algo mais urgente na lista; da mensagem que eu cheguei a rascunhar, mas não enviei, porque o assunto parecia irrelevante, do abraço que deixei de dar, porque parecia não fazer sentido abraçar sem ter motivo.
Talvez, se não tivesse deixado de fazer tudo isso, voltar ao bilhete amarelo não tivesse um efeito tão forte quanto teve. Era uma mensagem bem simples e direta, que fui ver com horas de atraso. Ela dizia sobre estar tudo bem errar às vezes, ter dias ruins, não ser perfeito, ser você mesmo e fazer o que é melhor para você. Lembrava ainda que havia estrada além do que era possível ver. O que não estava escrito ali também foi essencial para eu entender a mensagem.
Nós não devemos esquecer de nós mesmos. Estamos nos tornando automatizados, nos planejamos para fazer tudo com pressa, entregar tudo com o máximo de rapidez e eficiência possível. E onde nós ficamos no meio dessa correria toda? Onde nos colocamos? Qual é o espaço de exercer o nosso querer de maneira consciente e presente? O pequeno e potente bilhete que recebi me fez parar e entregar um abraço, no meio do dia. Ele me ajudou a enxergar melhor ao interromper todas as minhas preocupações, mudando a perspectiva pela qual eu via tudo passar. Passei a me concentrar em mim e nas pessoas que estão ao meu redor. No frigir dos ovos, valorizar a vida parte de ver com cuidado cada uma das pequenas coisas que a compõem. Nenhuma delas é desimportante, ou deve ser deixada de lado. Cuidar do que sentimos é tão relevante quanto cuidar do corpo, ao qual somos mais incentivados a estar atentos. É necessário lembrar disso sempre! Faz (toda) diferença!