Ainda tinha névoa quando acordei, estava ansioso, mas consegui dormir bem. Finalmente o dia que tanto esperei tinha chegado. Banho, café e saímos eu e meu pai para ir ao posto de saúde do bairro. O primeiro passo era pegar a declaração das comorbidades que ele tem. Foi preciso esperar, havia fila e muitas pessoas foram chegando com outras demandas. Confesso que costumo ser impaciente com filas, porém, dessa vez, nem isso foi capaz de me abalar. Não sairia de lá até ter o papel em mãos.
Cerca de duas horas depois, quando a demanda já tinha diminuído, a médica trouxe atenciosamente o papel. Depois de agradecer, saímos apressados para chegar ao Sport, onde ocorria a vacinação para a faixa etária do meu pai. O céu nublado deu lugar ao Sol e nós dois já tínhamos deixado os casacos repousarem sobre o banco de trás do carro.
Quando chegamos, estacionamos e fomos procurar o fim da fila. Eu tinha me assustado um pouco com as imagens do dia anterior, mas não imaginava que chegaria a tanto. Nos posicionamos na fila quase na altura do mergulhão. Aquela quantidade enorme de pessoas não foi capaz de arrefecer o nosso entusiasmo. Aquele pequeno vasilhame contém algo que representa muito mais que sua função prática. Depois de tantos meses de incertezas e espera, havia uma alta concentração de esperança e alívio envasadas junto com aquele imunizante.
Estava posto ali, para todos a nossa volta, que não havia motivo que fizesse desistir de estar naquele lugar, independente do tempo que fosse levar para alcançar o objetivo. Foi a primeira vez que encarei uma fila na qual ninguém foi embora antes de chegar ao atendimento, por estar com o tempo apertado, ou por ter algo mais urgente para fazer.
Um carro parou ao nosso lado, e o motorista entregou um banco de madeira, para uma senhora que estava atrás de nós. O homem ficou preocupado ao ver o tamanho da fila e quis amenizar o percurso, achando um jeito de deixar a espera mais confortável. O banco foi dispensado. A fila seguia com certa rapidez, mal a senhora sentava e já tinha que dar alguns passos. Ela acabou desistindo e pedindo para deixar o banco em uma loja de conveniências.
Também conhecemos mãe, filha e neto, que aguardavam na fila, elas se revezavam para distrair a criança, que insistia em se soltar do carrinho para brincar, o que eu, em silêncio, pensava ser um bom paralelo para a maioria dos adultos que aguardavam pela vacina, com sinais ansiosos, como pernas que balançam, passos mais longos para o lado, que ajudavam a medir o tamanho da fila, dedos que tateavam as telas dos celulares em busca de nada.
Finalmente entramos, fomos recebidos com atenção e gentileza pela primeira atendente, que verificou os dados do meu pai. Em seguida, direcionados para mais um fila, dessa vez, infinitamente menor. Precisava ver, finalmente, algo que deu certo, para restaurar em mim a esperança de que vamos conseguir sair dessa. Vi a vacinação da avó que estava logo atrás de nós, da senhora do banco de madeira. Vi também uma outra mulher que deixou escapar uma dancinha assim que a vacina foi aplicada em seu braço.
Na saída, meu pai ainda segurava o algodão contra o braço, como se ainda não tivesse caído a ficha do que tinha acabado de acontecer. Uma moça o parou para perguntar se ele estava sentindo muita dor. Respondi mentalmente que, ainda que ele sentisse algo, a dor seria menor do que o luto que carregamos de 428 mil vítimas fatais da doença. Meu pai, no entanto, disse: “dor nenhuma, eu estou é feliz da vida” e seguiu.
Fui testemunha de um belo dia e faço os devidos agradecimentos: ao Sistema Único de Saúde, aos cientistas que trabalharam incansavelmente no desenvolvimento dos imunizantes e a todos os profissionais envolvidos para que meu pai, hoje, tenha tomado a primeira dose da vacina.