Havia um pé de guaco que se entrelaçava na grade da escada de casa, formando uma grande cascata de folhas verdes. Era o meu esconderijo favorito. Quando estava para anoitecer, deitava nos degraus de modo que quem olhava de baixo, não conseguia me ver. Mas a minha estratégia ficou batida, embora eu sempre buscasse ficar mais próximo do ponto de bater o pique, nem sempre encontrava um esconderijo tão bom. Mas o jeito era variar, senão, ouvia reclamações. – Ah, nesse aí de novo? Não vale! Formávamos um grupo grande, com diferenças de idade consideráveis entre alguns de nós, mas na hora do jogo, todo mundo brincava com o mesmo entusiasmo.
Vivi a minha infância dentro dos anos 1990. As épocas das brincadeiras sempre chegavam. Quando ficava mais frio, buscávamos brincar em locais fechados. Podia ser a varanda da casa de um, a garagem da casa de outro. Quando não era um jogo de tabuleiro, era baralho. Tínhamos um jogo de baralho favorito. Eu não saberia dizer o nome certo, acho que era Gamut. Começávamos a jogar de tarde e só parávamos quando já passava muito da meia-noite, e todos os pais já tinham vindo reclamar do tempo em que ficamos fora.
Aliás, coitados dos nossos pais. Das janelas eles viam a molecada da rua se arriscando entre os carros. Posso imaginar o quanto sofriam, pela quantidade de gritos que ouvíamos. -Menino, sai da rua! Quer ser atropelado? A frota de veículos ainda não era tão grande, e os motoristas também pareciam ser mais cuidadosos. Com o movimento que o bairro tem hoje, seria impossível enfrentar o trânsito para brincar.
Mas foi muito bom. Tinha a época do carrinho de rolemã, pipa, peão, bolinha de gude, ioiô, dos piques – altura, esconde, pega, ajuda, entre outros; bete – ou taco; tazos, álbuns de figurinhas, bafinho, andar de patinetes, patins e bicicletas, futebol com direito a chinelo demarcando a área do gol, jogo de prego, queimada, três cortes, entre muitas e muitas outras. Quando precisávamos nos comunicar, não havia celular e, como os telefones fixos tinham uma quantidade de pulsos específica por mês, não éramos autorizados a ficar ligando para os nossos amigos. Tinha que ser coisa importante. Então, se quiséssemos falar, íamos direto à casa do nosso interlocutor. Chamávamos pelo nome no maior volume de voz possível, quando em algumas das casas não tinha campainha.
A tecnologia demorou a chegar. Os videogames só vieram quando estávamos mais adolescentes. Mas mesmo nessa época, nos enchíamos rápido e caçávamos alguma coisa mais agitada para fazer. Como poucos tinham os caros aparelhos, nos juntávamos em bando para jogar. Acho que nada teria a mesma graça, se não tivéssemos com quem dividir a brincadeira.
As crianças de hoje precisam compensar essa falta de espaço, e talvez de companhia, dobrando a imaginação. E é preciso reconhecer que elas são, de fato, muito boas nisso. Inventam boas histórias, se envolvem em enredos complexos, acessam e consomem informação com mais eficiência. Basta dar corda, entrar no mundo delas e perceber que o que elas precisam é de espaço. Os pequenos de hoje têm muito a vencer. No entanto, também são muito fortes, muito espertos, muito vivos. Muito mais atentos a tudo do que nós fomos. E tudo o que eu espero é que elas tenham liberdade e incentivo para dar vazão a toda essa potência que carregam. É hora de ser criança.