A vontade de ficar quieto no meu canto tem sido uma constante nos últimos tempos. Para quem está acostumado falar sem ponto nem vírgula, essa é uma tendência um pouco adversa, mas não incomum. Mas, ao mesmo tempo, vem uma preocupação com a constância que alimenta os nossos laços afetivos. Não tenho conseguido manter a mesma presença de antes. Mas, do lado de cá, pouca coisa mudou. As relações estão mantidas no mesmo espaço de grande importância que sempre tiveram, com um pouco menos de frequência que a situação em que nos encontramos provoca.
Venci a vontade de permanecer entocado e fui tomar um ar na frente de casa. Movimento ameno, clima fresco com vento úmido pré-chuva. Sentei-me no degrau mais alto da escada e lá permaneci por um tempo. Lolita, a mascote canina da família, queria descer a todo custo. Mas mantive ela ao meu lado, porque começava a ver uma gota aqui, outra acolá, não queria que ela se molhasse.
Distraído com a insistência dela, quase deixei de notar que, por trás de um carro parado na contramão, na frente de casa, havia dois adolescentes parados. Um deles com uma mochila escolar aberta nas costas e o outro que o acompanhava a pé. Fiquei com a impressão de que ambos deviam ter lá seus 12, 13 anos, mais ou menos. Eles jogavam conversa fora, como bons amigos costumam fazer: falar sobre tudo e sobre nada. Eles pararam para que o menino que estava em pé arrumasse uma sacola e fechasse a mochila do outro.
Eles tomaram um susto quando um carro entrou bruscamente na esquina da rua e, apressadamente, retiraram a bicicleta do caminho. Chegaram para o canto. O que estava sobre o veículo de duas rodas perguntou ao outro: “Se alguém chegasse e perguntasse: você prefere ganhar um carro ou R$ 100, o que você responderia?”. O outro parecia ter alguma desconfiança sobre aquele papo que surgiu do nada, como se alguma pegadinha estivesse escondida na questão.
Ele pensou e, ao ser cobrado pelo interlocutor ansioso, por uma resposta rápida e espontânea do colega, disse: ” Eu não gostaria de ter que escolher. Eu ia querer ter os dois”, exclamou. O outro olhou para ele e pediu que ele respondesse à provocação de maneira séria. Só depois ele soltou: “Escolheria os R$ 100. De que vale um carro, se eu não sei dirigir?”.
Eles seguiram o caminho e me deixaram cheio de ideias na cabeça. Tive vontade de pedir que eles voltassem e falassem mais. Mas não era uma conversa na qual eu estivesse incluído. O bem que o carro representa ao garoto, não é o valor de mercado que ele pode apresentar, mas a função que ele exerce. Qualquer outra pessoa poderia ter argumentado que um carro vale muito mais do que R$ 100. Mas, na prática, para ele, o dinheiro teria, de fato, muito mais utilidade no momento.
Esse olhar prático para a situação me fez entender que, às vezes, na vida, vale mais a segurança de algo que pode ser funcional em determinado momento, do que o deslumbre diante de um bem, que pode não servir a um propósito prático e, dependendo da situação, representar até um problema. Ainda que ele não tenha medido, ter um automóvel implica em uma série de responsabilidades e compromissos, com os quais ele, na pouca idade e experiência que eu acredito que tenha, não tivesse condições de lidar.
O curto diálogo valeu a quebra da minha vontade de me manter fechado no meu mundinho. Me fez dar valor às conversas que tenho com os meus amigos, sobre tudo e também sobre nada, mas que revelam as visões de mundo particulares, que só eles conseguem nos apresentar. Ganhei o dia e mando um salve para os dois garotos.