Estava finalizando o plantão na porta da Faculdade de Educação da UFJF, ao lado da repórter Barbara Landim, na cobertura do primeiro dia de provas do Programa de Ingresso Seletivo Misto (PISM) no sábado. Era a hora mais tensa do dia. Faltavam poucos minutos para que as provas tivessem início. O trânsito no campus estava muito lento. Havia muitos carros por todo lado. Víamos estudantes correndo entre os automóveis, com seus pertences na mão, e expressões de nervosismo estampadas em seus rostos. Todos eles estavam vivendo pela primeira vez a experiência de prestar uma prova de vestibular.
A pressão por esse momento é tamanha, que, mesmo tendo morros bem altos, como o que leva até o Instituto de Ciências Humanas (ICH), eles encaravam correndo, reunindo fôlego e impulso, que, em qualquer outra situação, faltariam. Vale pontuar também que o sol a pino tornava a tarefa mais difícil ainda. Pelo movimento, acredito que uma boa parte dos candidatos que passou por nós conseguiu chegar a tempo. Barbara fazia imagens de alguns dos atrasados e nós dois torcíamos por eles. “Vai, não desiste!”, “Corre, moça”. Quando percebi, outras pessoas que estavam à nossa volta estavam fazendo o mesmo.
Fiquei muito tocado quando vi duas moças que chegaram correndo no ponto em que estávamos. Os fiscais, que verificavam os documentos e passavam as instruções na entrada, ao invés de apressá-las, pediam que elas respirassem, se acalmassem e avisavam que daria tempo.
Mas o que deixou a todos arrepiados foi o atraso de uma moça em específico. Ela corria junto com um adulto, perguntou onde ficava o ICH. Quando viu o tamanho do caminho que ainda teria que seguir, o rosto da jovem demonstrou assombro. Faltava pouco mais de dez minutos para que a prova começasse, e a chegada dela a tempo de entrar parecia praticamente impossível.
A garota e o adulto com ela, que eu imagino ser o pai ou parente da estudante, apenas continuaram correndo. Eis que ouvimos um barulho insistente de uma buzina, vindo ao lado da fila de carros. Uma mulher fazia sinal para que a jovem fosse até ela. A motociclista disse que era para a adolescente subir no veículo, e a garota precisou de ajuda para acomodar. A condutora subiu o morro mais rápido possível. Deu tudo certo.
Solidariedade, de verdade, é o que eu vi naqueles gestos.
A moça não pensou muito, ela apenas agiu como achou que deveria. Ela soube que tinha que fazer algo e fez. Esperei ela descer e bati um papo rápido com ela. Soube que o nome dela é Débora e que estava na UFJF para levar o filho dela para fazer a mesma prova. Ela sabe as dificuldades que os estudantes passaram durante a pandemia, vendo o exemplo próximo do filho. Para ela, não foi nada demais. Eu fiquei pensando que, para a garota que ela ajudou, pode ter sido- e foi- a salvação da lavoura.
Ela também falou que, fazer o que é possível em um momento como aquele, não custa nada. Olhando por outra perspectiva, no entanto, vale mais do que qualquer outra coisa. Tem um significado gigantesco. Poucos passos adiante, ainda inspirados pela cena linda que presenciamos, vimos à princípio, o oposto: uma jovem que não conseguiu chegar dentro do prazo, que tinha os olhos cheios de lágrimas.
Mas a solidariedade também havia chegado lá, na forma de duas pessoas consolando a moça, dizendo para ela que não desistisse das provas no dia seguinte. Mesmo envolvida pela decepção, a aluna ouvia atentamente as palavras delas. Nem tudo o que vivemos pode ser medido diretamente em valor mensurável, embora, muitas vezes, tenha um significado que vai muito além de qualquer cálculo. A solidariedade, em sua forma mais bruta, tem a bela capacidade de restaurar a dignidade e a esperança. Torço para que todos tenham a oportunidade de vê-la e reconhecê-la, no meio da multidão de acontecimentos que tomam nossas mentes e corações.