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Carta ao pai

Carta ao pai

(Foto: pixabay)

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Juiz de Fora, 10 de agosto de dois mil e dezenove.

Olá meu querido, como vai?

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Preferi usar a palavra escrita dessa vez. Não que eu não quisesse ou não tivesse como comprar um presente. Mas me pareceu pouco. Eu precisava de mais. Sei que tem faltado tempo para falar, e eu não podia perder essa oportunidade.

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Os filhos de hoje nasceram na era do celular. É tão triste vê-los presos às telas, sem nenhuma vontade de ir para fora, para brincar e inventar o que fazer. Essa alegria em experimentar o mundo, que a minha geração teve, eu devo, em grande parte a você. Tenho muita sorte.

Eu descobri o amor aos poucos, em algumas dicas que a vida foi me dando. Quando nasci e ainda estava na incubadora, entre todas as crianças que lá estavam, você apontou para mim e sabia quem eu era. Não teve dúvidas. Essa ligação, que você firmou no primeiro olhar lançado sobre mim, me acompanha e me traz força e confiança para tudo na vida.

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Agradeço porque, sabendo de cada sacrifício e cada privação pelos quais você passou, não me faltou abraço, presença, apoio. Não faltou um exemplo de honestidade e caráter. Não faltou ouvido para escutar eu falar sobre a minha visão de mundo. Não faltaram as dicas.

Sei que é difícil encontrar homens que não ficaram profundamente endurecidos pelas cobranças hediondas que sofreram ao longo da vida. É lastimável ver homens ainda sofrerem com o choro engolido, a pressão por não ‘demonstrar fraqueza’, alimentando comportamentos que fariam deles ‘machões’, porque isso seria o mais ‘importante’. E pior, eles não dão o braço a torcer, mas demonstram claramente a lacuna deixada pela carência do aprendizado sobre receber e demonstrar amor. Saber que você deixou tudo isso de lado e construiu sua forma, junto comigo, é valioso demais.

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Como agradeço por você não ter perdido tempo com essa triste herança, que ainda impede outros pais e filhos de se abraçarem e se acolherem. Me angustia ver pais e filhos se machucarem com palavras e ações, simplesmente porque foram ensinados a agir dessa forma, com uma dureza que vem de fora e não pertence a eles .

Por isso, nesse dia dos pais, ao invés de dar um presente, eu pediria outro. Não para mim, que já ganhei o meu, mas para todos aqueles que não têm para quem endereçar um cartão ou o seu afeto, ou a quem, por algum motivo, não têm mais como fazê-lo. Que seja possível criar suas relações fora das muitas cobranças externas existentes, abrindo distanciamento de vozes dispostas apenas a criticar e manter padrões que não se sustentam mais. Que possam construir uma forma de amar própria, com diálogo, paciência, entendimento. Descubram que também precisam de colo, palavras amenas, carinho e ternura, como bem reforçou Gonzaguinha, lá nos anos 1980.

E, acima de tudo, que percam o medo de expressar o amor e demonstrar seus medos e inseguranças. Que abracem e se deixem abraçar. Acolham, sejam acolhidos e também estejam abertos à escuta e ao aprendizado. Com isso, que sejam tão felizes quanto nós somos. Sei que caminhamos muito e é preciso reconhecer. No entanto, tem muito chão ainda a percorrer e não podemos mais perder tempo.

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Amo-te e sou realizado por poder não ter vergonha alguma de dizer isso em alto e bom som.

Feliz dia!

 

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