Como em boa parte dos dias em Juiz de Fora, o céu tinha amanhecido bem nublado, o que ao invés de representar frescor, indicava que o ar estava mais abafado e quente. Estava de folga e eu e meus pais precisávamos ir à cidade resolver algumas coisas. Acordamos, nos arrumamos e descemos. Andávamos há algum tempo, quando ameaçou cair um pé d’água.
Da Praça da Estação, fomos subindo a Rua Halfeld. Os ventos começaram a ficar mais fortes e, logo depois, já sentíamos as primeiras gotas de chuva sobre nós, quase na esquina com a Getúlio Vargas. O céu desabou em água. Choveu para Deus ter dó. Nos abrigamos debaixo de uma marquise, insuficiente no tamanho para proteger a todos que dividiam o espaço.
Minha mãe, a única prevenida do grupo, tirou a sombrinha da bolsa, com algumas das varetas quebradas. Quem me conhece mais de perto sabe da aversão que tenho por sombrinhas, guarda-chuvas e afins. Afinal, estamos em 2019 e ninguém desenvolveu um jeito melhor de se proteger da chuva. Mesmo carregando o objeto, seguimos com boa parte do corpo exposto. Fora o incômodo de ter que ficar desviando de tudo e de todos, ora ou outra quase tendo o olho machucado por alguém que anda descuidado, com aquelas pontas das barbatanas perigosíssimas na altura dos olhos. Em resumo: muito transtorno e pouca eficiência. Além disso tudo, ainda ter que carregar o guarda-chuvas molhado até que seja possível deixá-lo aberto para secar.
Depois de uns 15 minutos de chuva intensa, houve uma leve estiada e resolvemos atravessar a Batista de Oliveira, para continuar caminhando pela Halfeld. Assim fizemos. Andamos alguns passos até esbarrar com uma vendedora de sombrinhas. Na cena toda, ela era a única que demonstrava estar claramente feliz. Gritava a plenos pulmões: “Olha a salvação da chapinha! É mais barato que os remédios para gripe! Tem de R$ 10, tem de R$ 20”. Uma fila se formou em torno dela, e a mulher conseguiu vender boa parte das sombrinhas que trazia em duas sacolas repousadas entre seus pés. A nós, ela confidenciou que há duas semanas aguardava pela chuva, para que conseguisse fazer o dinheiro do mês.
Enquanto isso, seguia tirando capinhas e entregando as sombrinhas na mão de quem não tinha outra alternativa para enfrentar a chuva. A vendedora conseguiu contagiar todo mundo, dizendo que aquela chuva era a salvação da lavoura dela.
Andando mais um pouco, outro vendedor contava que quem vive do comércio popular tem que ler as sazonalidades com atenção. “Tem que ser esperto e muito atento para entender esses movimentos”, ele me disse. Naquele dia, a mulher tinha conseguido boas vendas, mas pode ser que o moço que vendia raquetes, que matam os incômodos pernilongos, que estava do outro lado da rua, tenha feito uma semana melhor. Naquele momento, ele parecia enfrentar um dia de pouco movimento. Pode ser, inclusive, que o dia seguinte tenha levado mais ganhos do vendedor de picolé, afinal, o que mais tem feito é calor. Mas vai saber para onde vai a cabeça do público…
Depois de passar por cada um eles, fiquei pensando em quanto é difícil viver os dias de luta, que ficam cada vez mais difíceis, aguardando pelos de glória. Em quanto faz diferença contar com um salário certo, que permita fazer planejamentos, pensar em como será o mês, ao invés de ter que lidar com o que entra, quando entra, sem saber com certeza como será o dia seguinte. A alegria daquela moça me tocou, mas o que mais me ensinou talvez, seja o que ela não disse. Tudo o que ela precisa passar diariamente, subentendido na euforia do aquecimento das vendas. Todas as dificuldades enfrentadas até então dissolvidas na satisfação de ver sua mercadoria vendendo igual água.