Contaminação é uma palavra que ouvimos muito, especialmente, no início, associada à informações sobre a pandemia. Os ouvidos se cansaram um pouco dela. A exaustão trouxe um novo tom para a palavra e a contaminação, que eu via sendo aplicada para falar sobre a circulação do vírus, também pode ser a aplicada em outros âmbitos. Uma amiga reclamou durante a tarde que um carro de som passou pelas ruas do bairro dela repetindo informações falsas. Foi curioso perceber que a disseminação de dados e orientações inverídicas faz o caminho inverso, sai das redes sociais e volta a habitar espaços que podem fazer a mensagem chegar mais rápido a algumas pessoas.
Ouvi também um alerta, sobre como as orientações das autoridades nem sempre chegam a quem precisa delas e, com a inserção de ferramentas tecnológicas no acesso, como os aplicativos que deram acesso ao Auxílio Emergencial, muitas pessoas ficam de fora. Seja porque não compreenderam completamente a informação, porque não souberam lidar com as etapas do processo, ou se depararam com algum problema.
Mais do que contaminar as ideias, a situação infectou nossas reações a forma de lidar com o outro. Há uma agressividade nas escolhas das palavras que usamos, há uma sensação de urgência que faz focarmos cada vez mais nas questões individuais, deixando de lado a preocupação com o coletivo, há ataques violentos feitos pelas redes sociais e na vida real, por discordâncias que poderiam ser tratadas com diálogo. Há também uma impaciência e afetados pelos efeitos dela, a nossa escuta se torna cada vez mais superficial, rápida, objetiva e truncada. Mais que nunca, em condições tão adversas, fechamos os olhos para o que não queremos enxergar.
O noticiário informa que há pessoas se esforçando para furar as filas das vacinas – ignorando as necessidades de quem está mais vulnerável, de quem não tem a opção de fazer isolamento social, das pessoas que têm comorbidades, das pessoas idosas- e não há qualquer remorso nesse tipo de ação. Esperamos, no entanto, que caso sejam confirmadas essas situações, que essas pessoas sejam responsabilizadas.
O dito ‘jeitinho brasileiro’ evidencia algumas características muito pouco nobres que ainda carregamos e chancela erros que precisamos rever. Ultrapassamos quatro mil mortes diárias no país e, nesse momento, é mais do que fundamental revermos nossos comportamentos. Se quisermos sair dessa situação, vamos precisar mudar a conduta. Precisamos sair do plano das palavras e ideias e ir para a prática.
A essa altura, já entendemos que máscara, distanciamento, higiene e vacina são os pilares centrais para que a gente saia dessa. Seria ótimo também que passássemos a cobrar com mais força as soluções urgentes para tirar as pessoas em vulnerabilidade do risco, o acesso a medidas para que os trabalhadores e donos de pequenos negócios encontrem o apoio que precisam. Que todos façam sua parte e sejam imunizados contra a Covid-19 e contra esses comportamentos.