A contagem dos quadradinhos da folhinha surrada da cozinha me mostram que já passei dos 70 dias. Aquela aflição inicial, motivada por toda a incerteza que o momento desenhou, ganhou outros contornos. Me esforcei muito para desconversar, desviar o assunto para outras ideias, mas ele sempre retornava à doença e ao que está em volta dela. Tentava falar e focar na leveza sobre o que conseguia perceber, porque não estava mais na rotina que eu tinha. Não deu para me manter nessa posição por muito tempo.
Não fui convencido ainda de que possa existir um novo normal. Soa clichê, mas acho que tudo isso só muda, se todos conseguirmos entender que não há nada de normal em como vivíamos antes disso tudo.
Acreditei que manter meus pensamentos em lugares que pudessem construir algo positivo, fosse suficiente para superar esses dias com menor impacto. Percebo, agora, que me enganei. São tempos duros mesmo. Eles exigem que estejamos, mais que nunca, dispostos a sentir todo o desconforto do qual fugimos até agora. Demoramos muito a encarar o que estava sendo deixado embaixo do tapete.
Não dá mais para fugir do que é absurdo, do que não pode mais passar batido. Eu não vou listar aqui o que tenho percebido. Não haveria espaço suficiente. Porém, sou mais um entre os que alertam que é preciso estar atento e presente. Que calemos a nossa própria voz e nos deixemos abertos. Que paremos de desviar o olhar. É fundamental perceber que há uma série de assuntos inadiáveis nos esperando, além da emergência de saúde mundial.
Depois disso, precisamos agir. Repito: não existe um novo normal. Existe algo novo, sem dúvida. Mas depende de muita ação, de muito incômodo e, de maneira especial, de muito comprometimento. O efeito que a pandemia causou, por aqui, não me permite pensar em voltar ao que era. Agora, muita coisa precisa ser diferente. A pergunta que me ocorreu nos últimos dias, que eu gostaria de replicar é: o que estamos dispostos a mudar? Ela vai nortear tudo o que eu fizer. Não deixarei de falar sobre amenidades. Redescobri a importância delas nesses tempos. O afeto que é muitas vezes relegado a esse espaço é uma das coisas que precisamos rever. O que tenho certeza é que todos assuntos que vêm à tona precisam nos tirar do automático. O normal não existe.