Eu estava faminto. Tinha acabado de cumprir as 12 horas ininterruptas de jejum exigidas para o exame de sangue. Avisei para a enfermeira que fez o procedimento que minhas veias são profundas e, por isso, seria mais fácil para todos nós que ela espetasse a veia na mão, que tem menos constrangimento de aparecer que a do braço. A profissional, muito gentil, agradeceu por avisar. Ela temia que, pela quantidade de tubos que tinha que preencher com o meu sangue, a minha mão não fornecesse a quantidade de material necessária. Mas arriscou e deu muito certo. Há dias em que o humor de todos parece conspirar para que tudo fique melhor.
Ela me perguntou se eu preferia achocolatado ou suco. Respondi a ela que fazia questão de um cafezinho. Mas que ela não precisava se preocupar. Eu compraria o café na padaria em frente ao laboratório. Assim fiz. Atravessei o sinal, me dirigi à padaria, comprei pão de queijo e café para o esperado dejejum. Fiquei admirando a decoração natalina, com seus piscas novinhos em folha, seus enfeites dourados, vermelhos e verdes. Fiquei pensando em como é impressionante como o café da padaria tem um gosto diferente do nosso. Por mais que eu ame o café que fazemos em casa e não sobreviva sem ele, não posso negar que o sabor é outro, irreproduzível.
Peguei tudo e me dirigi ao caixa, que estava aguardando o sistema responder para passar a minha compra. A mulher tinha uma fisionomia familiar, e meu pai, que me acompanhava, perguntou se ela trabalhava em uma loja de um outro bairro. Ela contou que, com a pandemia, o setor que ela geria sofreu uma redução gradual, até a suspensão total, e os patrões decidiram transferi-la de loja. Ela está há muitos anos na função, e pudemos sentir pelas palavras dela que realmente gosta do que faz.
A moça brilhou quando começou a falar da filha dela, que com apenas 18 anos, está em seu primeiro posto de trabalho. Oportunidade que a mãe buscou junto aos patrões, naquela loja, na qual ela passou tantos anos. O orgulho que ela sentia desse acontecimento cintilava em seus olhos vivos. Comoveu-me a maneira como ela falava de como isso era importante para ela. Aquela vibração bonita, o entusiasmo que só os pais conseguem transmitir quando falam sobre as conquistas dos próprios filhos. Uma satisfação terna, quente, de quem teve uma contribuição inestimável em uma trajetória que segue por uma boa via.
Eu não conheço a jovem, nem de vista. Mas eu passei a torcer muito pelo sucesso dela. Sinto isso porque percebo que o que nos falta, nesse momento, é ter de novo condições para sonhar. A energia de esperança, de que há caminhos, de que é possível pensar um mundo diferente, que eu experimentei ao ouvir a mãe dela, é o que eu desejo para todas as pessoas nessa altura dos acontecimentos, embora eu saiba que não é um período fácil e muito menos tranquilo para ninguém.
Eu espero que a menina, que agora vê sua vida ser transformada pelo acesso ao primeiro emprego, também possa sonhar alto, tenha total consciência da capacidade dela e realize tudo o que ela quiser. Que cada passo que ela der continue enchendo o coração da mãe dela de orgulho, e que ambas possam dividir cada vez mais alegrias. Há dias em que o humor das outras pessoas contagia a gente. Ele nos faz lembrar de olhar para tudo o que foi e é muito bom, ser grato por tudo o que construímos até aqui e planta a semente da esperança em algum lugar da nossa alma. Quando eu saí da padaria, um pouco daquela luz que a moça projetou seguiu comigo, mais brilhante que a decoração que me chamou a atenção inicialmente.