Ainda tem quem ria quando digo que preciso ‘ir até a cidade’. Digo isso sempre, automaticamente, sem perceber. Quando alguém chama atenção para essa expressão, no entanto, entendo que me refiro a todo um processo que começou lá na infância.
Para quem mora na periferia, ‘ir à cidade’ mobiliza uma sequência de ações. Toma banho, muda de roupa, come alguma coisa, verifica se todas as janelas e portas estão fechadas. -Tem ônibus agora? Ufa! Está para chegar! Viaja durante um tempo aproximado entre 45 minutos e uma hora, dependendo do trânsito, até que as portas do coletivo se abram para o desembarque.
Na infância, íamos pouco à cidade. O deslocamento demandava um esforço e um gasto que poderia ser evitado. Afinal, estando próximo à Benfica, que oferece uma gama significativa de serviços e comércio, com o adicional de permitir ir e voltar para casa a pé, o Centro parece ficar ainda mais longe.
Para crianças, vencer essas distâncias enchia os olhos, causava uma ansiedade e despertava a curiosidade. Esperávamos as raras oportunidades de ir ao Centro e, toda vez que acontecia, fazíamos descobertas.
Hoje, ir à cidade é parte integrante do cotidiano. E os olhos já não conseguem mais revestir tudo com o mesmo encantamento. Todos os dias passo pelo Centro, para ir ao trabalho e voltar dele. Fico cada vez menos tempo na Zona Norte. As coisas parecem se inverter, de certa forma.
Assim como muitos dos meus amigos estranham quando pontuo o que essa distância representa, é difícil explicar tudo o que ela demanda. Quem precisa lidar com esse afastamento, precisa andar sempre adiantado e se manter sempre atento. Não pode bobear. Se chegar tarde, tudo fica mais difícil. Há que se destacar também uma dificuldade de acesso, que exige sempre uma boa dose de esforço a mais.
Mas se manter nesse lugar te dá uma visão mais nítida do que é grande e do que é pequeno. Assim como ajuda a manter os olhos bem abertos para muita coisa.
Sempre ouvi na família que não tem como se perder no Centro de Juiz de Fora. Fico pensando, no entanto, no que significa se sentir perdido do centro em alguns momentos. O que é certo para mim, nessa história toda, é que essa distância, só entende quem percorre.