Uma das passagens da música “Paisagem” de Emicida vira e mexe volta a mente e me provoca. “Reconheça sério que o mal foi sagaz”, ele diz na canção. Não vou entrar na complexidade do contexto, porque esse não é o objetivo. O que proponho é pensar nesse ano de 2020 partindo desse ponto. Quantas foram as ocasiões em que vimos o mal tomar conta? Nossas cabeças estiveram baixas, o ir e vir interrompido por uma questão de preocupação e cuidado, o contato físico suprimido, isso tudo só para começo de conversa. As telas de luzes frias tomaram cada vez mais espaço. E as notícias difíceis chegaram todas em cascata. Toda a minha solidariedade ao pessoal que vai fazer a retrospectiva desse ano. Não vai ser fácil.
Vi na internet alguém comentar sobre o termo ‘positividade tóxica’ e, de certa forma, o texto de Emicida também me motiva a pensar nisso. Dizer que está tudo bem, tentar amenizar o quadro, negar a realidade que nos massacra também não é o melhor caminho. A essa altura, nem o jogo do contente da Pollyanna daria conta de tanta dificuldade. É preciso reconhecer que o mal foi sagaz. Fez de nós o que quis e, na maioria das vezes, os frutos de passar por tudo isso também não são os mais positivos. Nem sempre conseguimos aprender com as dificuldades. Em muitos momentos, o que escolhemos foi a ignorância.
Cada foco de tensão que se somou nesse momento mostra que ainda não conseguimos entender que precisamos resolver tudo o que permanece embaixo do tapete. O problema é que o acúmulo de coisas lá embaixo está provocando tropeções a todo momento. Nada colabora para que as coisas fluam por uma trajetória de resolução. Se estamos em um momento de revisão, de refletir sobre os nossos posicionamentos, de refazer metas, temos que parar de fingir que não conhecemos os nossos problemas.
Me surpreendi quando recebi a pauta para o Natal. Precisava fazer uma matéria sobre a esperança. A primeira reação foi um choque, porque em um momento tão problemático, elaborar qualquer coisa sobre esse tema não me parecia tarefa fácil. Agora sei que precisava ouvir todas aquelas palavras.
O professor Faustino Teixeira me deixou com uma imagem forte na imaginação, quando disse que é necessário aprender a dançar sobre os escombros. Nesse sentido, posso afirmar que a minha principal esperança é a de que a gente consiga repensar a nossa sociedade, pontuando tudo o que falta organizar e colocar no lugar. A história mostra que essa tarefa é a mais complicada. Vencer o mal que é sagaz depende, prioritariamente, de como vamos resolver as nossas muitas questões. O trajeto é bem mais longo que o logo ali que dá título a esse espaço, contudo, ainda há muita esperança. Ela será boa guia daqui em diante.