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O mundo é Bão, Sebastião

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Por causa de um compromisso de trabalho em São Paulo, viajei de mala e cuia para a capital paulista. Como seria um bate-volta não despachei a bagagem no guichê da companhia aérea. Com pouca coisa para levar, eu carregava menos de cinco quilos. Dentro do avião, no entanto, tive dificuldade para guardar a mala no bagageiro. Pedi ajuda a um passageiro que assistia, imóvel, aquela cena. Ele simplesmente debochou. Se negou a ser solidário. Pela cabecinha prodigiosa do sujeito antissocial reinava uma ideia superada: vocês não dizem que são iguais a nós? Então, dê conta da sua mala! O rapaz não verbalizou isso, mas, claro, pensou. Ah, se pensou.

O que esse ser não sabe é que não se trata de “aguentar” o peso de ser uma mulher independente. Primeiro, porque não é um peso, mas uma condição conquistada na história com muito suor e lágrimas. Depois porque minha mala estava, de fato, muito leve! A questão ali não era de força, mas de uma limitação física que me impede de esticar o braço direito. Por causa de uma queda, precisei colocar 15 pinos no ombro. Por isso, o movimento de esticar o braço ficou comprometido, mas, de quebra, me tornei uma “mulher biônica” feita de alma, carne e muitos parafusos, alguns meio soltos, admito.

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Olhei para esse ser que ria de mim com pena do seu olhar limitado para a vida. Ele não me ajudou apenas por ser machista, sexista, mas por ser incapaz de ajudar qualquer um, seja um homem, uma criança ou um idoso. É o típico bofe incapaz de exercitar gentileza, independente do gênero e da idade de quem precisa.

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Bem vestido, sentou-se na poltrona do avião como se estivesse em um trono de rei, cheio de si, mas vazio de sentido. Olhando para ele, me lembrei do guardador de carros conhecido como Capoeira. Em meio ao temporal no Rio que deixou mais de dez mortos na capital fluminense, Varlei Rocha Alves, 50 anos, teve um gesto inesquecível: ajudou uma idosa a atravessar o cruzamento da Rua Ministro Viveiros de Castro com Avenida Prado Júnior, em Copacabana, improvisando uma “ponte” com caixas para que a senhora pudesse passar sem se molhar.

O homem, com pouco acesso ao estudo formal, que vive de favor na casa de uma irmã na Pavuna, não tinha um centavo no bolso. Mas recorreu ao que tinha, suas caixas, para improvisar uma ponte do bem. “Ele foi muito gentil. É difícil encontrar pessoas assim”, afirmou a idosa dias depois.
Na volta para casa, cruzei no voo com duas pessoas desconhecidas. Ambas movidas pela mesma gentileza de Capoeira. Uma delas, uma jovem, me ajudou sorrindo a subir minha mala para o bagageiro. Já um rapaz me ensinou todas as formas de transformar milhas em renda. Quando saí do avião, me lembrei da letra de Nando Reis. “O mundo é Bão, Sebastião.” E se não for, cabe a nós transformá-lo.

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