Dificilmente, saio de um táxi sem uma pauta para o jornal ou um assunto para a coluna. Quem usa o transporte individual de passageiros, seja ele qual for, sempre escuta histórias que dão pano para manga. Algumas renderam até prêmio de jornalismo, como o IPYS de melhor investigação jornalística da América Latina, em 2008, que recebi, no Peru, ao lado dos repórteres Ricardo Miranda e Táscia Souza. Naquele ano, ouvi pela primeira vez, em uma corrida de táxi, a história do vereador que mantinha uma empresa de construção na cidade. Foi assim, em uma conversa despretensiosa, que soube da existência da Koji, construtora que o taxista associou ao então presidente da Câmara Vicente de Paula Oliveira, o Vicentão.
A dica resultou em três meses de investigação, mais de 30 reportagens e a renúncia do parlamentar para fugir da cassação após a descoberta de que a Koji negociava contratos milionários com a Prefeitura. Foi um grande trabalho em equipe que ficou internacionalmente conhecido como “Caso Koji”. Aliás, a escuta é uma ferramenta fundamental nesta profissão. Saber ouvir é o primeiro passo para uma boa narrativa. E, no meu caso, em especial, é difícil terminar uma corrida sem que algo meio surreal tenha acontecido.
Foi assim sem São Paulo, quando conheci “a nêga véia”, personagem de uma história de amor entre um ex-morador de rua e a mulher que dividia com ele o frio debaixo das marquises paulistas. Um dia, prometeu, se conseguisse um endereço, a levaria consigo. Ao tornar-se taxista, o homem que parece o Shrek do filme de animação norte-americano cumpriu a promessa e abrigou a antiga moradora em um cortiço. Tempos mais tarde, ela tornou-se sua esposa e ganhou do homem o apelido de “nêga, véia’, embora fosse bonita que só, tipo a Fiona nos tempos em que a princesa não se relacionava com o ogro.
Já no Rio, conheci ao lado da fotógrafa Marizilda Cruppe o dono do passarinho ‘estripado’. Ao entrarmos no táxi dele, cumprimentamos o senhor gordo, de suspensório, chapéu e cabelos brancos. Como de praxe, perguntei se estava tudo bem. A resposta do motorista foi um lamento:
– Não está não, minha filha.
– Mas o que houve?
– Pra ‘madame’ pode não ser nada, mas para mim foi a pior coisa do mundo, respondeu com a voz embargada.
Um silêncio constrangedor se fez no carro. E eu, claro, tinha obrigação de perguntar o que aconteceu, já que tinha perdido a chance de ficar calada lá no início.
O homem, então, começou a soluçar. Marizilda e eu nos olhamos sem entender nada.
– Fia, meu passarinho de estimação morreu, disse o homem já em prantos.
Para tentar demonstrar empatia, Marizilda lamentou o ocorrido e eu, me esforçando para quebrar o clima, contei para ele que meu filho também era apaixonado por pássaros e criava o Roque, sua calopsita de estimação. Vixe, piorei as coisas. O motorista chorou lágrimas de sangue.
– Mas o meu morreu de morte matada. Um conhecido pisou nele. Ficou “estripado” no chão, com tudo saindo para fora.
O momento era trágico, mas tive que me segurar diante daquela cena. Nada contra o passarinho, coitado, mas o homem era uma figura. Ele continuou o caminho aos prantos, e eu e Mari nos esforçamos para consolá-lo. Desembarquei em Copacabana e minha amiga seguiu viagem com o taxista que confessou gostar mais de bicho do que de gente.
No saguão do hotel, tive uma crise de riso, como tenho toda vez que lembro do episódio que não me rendeu nenhum prêmio, mas uma boa história para contar.