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A voz da floresta

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A Carta da Floresta é o tipo de texto que a gente lê rezando. Experimenta com os olhos e devora com o coração. Nele se apresenta a mulher-lenda descrita por outra que é igualmente grandiosa. É mais uma daquelas preciosidades que a jornalista Eliane Brum transforma em palavra escrita. Na carta, Eliane fala sobre Mara Régia, a radialista com nome composto de planta amazônica capaz de dar flor e de suportar o peso do mundo.

– Como vai Mara Régia, perguntou uma nativa a Eliane, quando ela trilhava a Transamazônica para contar história na década de 1990. Sem saber de quem se tratava, a jornalista assumiu seu desconhecimento.

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– Mas que repórti bem boa você deve ser, hein, mulé. Mara Régia vive lá onde você vive, não sabe? Mas é como se fosse de minha família!

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Eliane continuava em apuros.

– Mara Régia é da rádia. Nunca ouviu, não? A gente aqui ouve ela tudinho, disse o marido da “mulherzinha morena” que, com pena da jornalista, saiu em seu socorro.

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Naquele momento, Eliane Brum diz ter começado o seu aprendizado sobre Mara Régia e a Amazônia. “Até hoje, naquele mundaréu de água, floresta, sonhos e peleia, é o rádio que une o Brasil. E Mara Régia era a voz da Rádio Nacional da Amazônia que o povo mais ouvia. Era pela sua voz que eles tinham um sentimento de pertencimento nos confins daquela terra de ausências. Era a voz dessa mulher o fio que nos ligava como brasileiros, que não permitia que nos apartássemos para sempre como continentes desgarrados”, continuou escrevendo a jornalista.

Eu nunca fui à Amazônia, mas há poucos dias tive o privilégio de conhecer a “dona” da carta de Eliane. Frente a frente com ela, em Brasília, entendi que a voz da floresta é tão poderosa quanto o brilho do olhar de Mara Régia, a mulher que há mais de três décadas fala a língua própria da inclusão. Sentada no estúdio da Rádio Nacional, eu olhava para a radialista que fez de seu programa pioneiro, o Viva Maria, uma luta permanente pelos direitos das mulheres do Rio, de Brasília, das comunidades na Amazônia e de vários rincões do país. Ao dar o microfone para as mães e as filhas da floresta, Mara deu visibilidade a causa feminina, tirando do anonimato muitas vítimas da violência doméstica que tem o silêncio como aliado.

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No rádio, ela também ousou discutir as questões de gênero e conseguiu mostrar a luta da mulher na construção de uma nação que ainda não aprendeu a enxergar suas Marias. Ali, no programa dela, nós éramos duas Marias falando de Anas, Josés, Júlios e de toda gente brasileira que habita lugares tão esquecidos, quanto desiguais destes vários Brasis.  “Viva Maria”, comemorou a radialista ao final de nossa entrevista.  “Viva”, repeti.

Nos despedimos com um longo abraço, mas eu saí inquieta de Brasília. Percebi que não havia falado o principal e hoje espero corrigir: “Viva Mara Régia e todas as mulheres que habitam nela!”

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