Há tempos ando incomodada com a adoção de critérios de escolha para matrículas de crianças da educação infantil e do ensino fundamental em conceituadas escolas particulares da cidade. No ano passado, soube pela mãe de uma amiguinha do Diego que a menina saudável e espevitada tinha sido rejeitada por um desses colégios “de ponta” após ser submetida a um teste sem a presença dos pais. Pensei na crueldade que é avaliar meninos e meninas tão pequenos e no método adotado para julgar um melhor do que o outro já que, na prática, são todos seres humanos em formação. Por telefone, uma pedagoga da tal escola avisou que a candidata de apenas 3 anos não servia para a instituição mais preocupada com o futuro do que com o presente, pois seu foco eram os processos seletivos do Enem e do vestibular. Não sei o que é pior: submeter crianças a exigências desumanas como essas ou permitir que nossos filhos sejam submetidos a elas.
E o espanto não para aí. Recentemente, a Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino entrou com uma ação direta de inconstitucionalidade, no Supremo Tribunal Federal, contra a obrigatoriedade de assegurar educação aos estudantes com deficiência. A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, que entrará em vigor em janeiro de 2016, determina que as instituições privadas ofereçam educação de qualidade à pessoa com deficiência sem a cobrança de valores adicionais em suas mensalidades, anuidades e matrículas. A confederação protesta e abertamente diz que os diferentes são um problema do Estado e um ônus impossível de ser suportado pela própria escola e pelas famílias que têm filhos considerados normais.
A visão da confederação, claro, é também a de boa parte das escolas que ela representa. Partindo de instituições que, em tese, são uma das formadoras de valores, esses argumentos higienistas me causam arrepios. Como locais com uma visão tão reducionista e seletiva pretendem contribuir com a educação de crianças e jovens? Aliás, como ensinar sem exemplos, sem solidariedade e sem compaixão? Como dizer para o aluno que todos são iguais se o colégio expulsa os diferentes? Como falar em ética escolhendo os mais aptos? E de que maneira saber, em um universo de múltiplas competências, qual criança se sairá melhor?
Na contramão da intolerância, me comovi com o relato de uma mãe cuja filha adolescente estuda em uma das instituições de ensino mais tradicionais de Belo Horizonte e tem como colega de sala uma menina com Síndrome de Down. Ela conta que a Juju, como é carinhosamente chamada pelos alunos, mudou a forma de jovens abastados e perfeitos verem o mundo. Com o tempo e a convivência, eles aprenderam a enxergar a beleza da estudante e passaram a rejeitar o bullying no espaço de aprendizado.
– A Juju foi um presente na vida deles, complementou a mãe, emocionada.
O relato dessas duas mães – a que teve uma filha sem problemas mentais rejeitada por um colégio de alto rendimento e a que agradece pela convivência proporcionada pelo ingresso de uma pessoa com necessidades especiais em uma turma regular – impressiona. Estabelecimentos incapazes de enxergar a potencialidade da criança não merecem o título de escolas. Por outro lado, se compactuarmos com critérios de seleção preconceituosos e excludentes, acabaremos descobrindo que a deficiência está em nós.