Tem um ditado que diz que a primeira impressão é a que fica, mas sempre discordei dessa teoria. Quando conheci meu marido, por exemplo, o achei bem diferente de mim. Levei mais dois encontros para desfazer aquela sensação e hoje, 13 anos depois, ele é a melhor parte da minha vida ao lado do nosso filho. Na maioria das vezes, no entanto, não temos a chance de olhar de novo e, quem sabe, descobrir que nem tudo é o que parece. A história que vou contar hoje é sobre o reencontro com um passado doloroso, o qual me deu a chance de enxergar erros que nem sabia que tinha cometido.
No ano de 1999, oito meninas de Juiz de Fora foram vítimas de estupro pelo mesmo agressor. Já comentei isso aqui. Naquela época, eu estava há três anos na Tribuna. O contato com a realidade das vítimas me dilacerou. Uma delas não teve coragem de contar para a família o que tinha ocorrido e, só depois que publiquei a entrevista, garantindo o seu anonimato, é que a jovem procurou a mãe com o jornal nas mãos e um pedido: “Leia. Essa sou eu.”
Das oito meninas, apenas uma não manifestou interesse em falar comigo. Ela tinha 16 anos, era a mais jovem do grupo, e, cerca de quatro meses após o episódio, descobriu que foi infectada pelo vírus da Aids. Como a lei não obriga ninguém a fazer o teste de HIV, lá fui eu para o antigo presídio de Santa Terezinha pedir ao autor que se submetesse ao exame, pois havia um pânico geral entre as vítimas, embora o preso negasse ter cometido a violência contra elas. Após aquela conversa, o acusado submeteu-se ao exame que constatou sua soropositividade. Alguns anos depois, o reencontrei durante uma matéria no Ceresp. No corredor de uma das galerias do presídio, ele confidenciou: “Fiz aquilo com elas e me arrependo todos os dias.”
O tempo passou, mas nunca esqueci daquela jovem infectada por HIV após sofrer um estupro. Recentemente, por causa de uma reportagem sobre violência sexual na cidade, nossos caminhos se cruzaram novamente. Dezessete anos após o episódio, ela finalmente me concederia uma entrevista. Mas o encontro não foi como esperava. No dia marcado, ela me disse que não tinha certeza se queria tocar naquele assunto comigo.
– Você faz parte do pior lado da história, ela me disse.
Levei um susto e tive com ela a entrevista mais difícil da minha carreira. Aos 32 anos, a antiga vítima de estupro revelou que, naquela época, sentiu-se “perseguida” por mim, pois eu havia insistido muito para ouvi-la.
– Além disso, depois que você foi na minha escola, todo mundo descobriu que eu havia sido estuprada.
Fiquei arrasada. Não sabia que tinha provocado mais um dano na vida dela e me desculpei por algo que não tive intenção de causar. Nessa conversa franca, eu tive a oportunidade de repensar a minha prática. Já a ex-adolescente pôde conhecer melhor o meu trabalho. Descobriu que fui eu quem foi ao presídio para que ela e as outras vítimas tivessem a certeza sobre o transmissor do HIV, exame que acabou sendo prova fundamental do processo que condenou o agressor a vários anos de cadeia. Além disso, contar a história delas era a forma que eu tinha de sensibilizar o Ministério da Saúde em relação à necessidade de garantir medicação preventiva do HIV para todas as vítimas de estupro no Brasil, o que conseguimos depois.
Ao final da entrevista, a vítima do passado me abraçou.
– Agora eu entendo, disse ela, na despedida que marcou a minha segunda chance.